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"JORNAL DE NEGÓCIOS"
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Quando o atraso nos pagamentos
provoca a morte das empresas
De acordo com um estudo recente publicado pela Comissão
Europeia, que pretende aferir o impacto económico dos pagamentos em
atraso em vários países europeus – com especial incidência na Itália,
Grécia, Espanha e Portugal – a gravidade desta problemática atingiu
proporções preocupantes ao longo da crise financeira de 2008. Todavia, e
mesmo com algumas ligeiras melhorias, registadas nos dois últimos anos,
a relação directa desta realidade com a taxa de mortalidade das
empresas continua a constituir um enorme obstáculo, em particular para
as economias mais vulneráveis
Os atrasos nos pagamentos entre empresas (B2B) e nas transacções entre o Estado e as empresas (G2B) possuem efeitos adversos no cash-flow
das empresas, obrigando, na maioria dos casos e em particular no que
respeita às de menor dimensão, a extensões de crédito a descoberto e ao
aumento das suas necessidades de financiamento via empréstimos. Os
atrasos nos pagamentos das dívidas comerciais têm igualmente um papel
principal na sobrevivência das empresas, na medida em que a sua liquidez
pode ser severamente afectada, forçando até, em muitos casos, à sua
própria retirada do mercado. A importância desta questão tornou-se ainda
mais relevante ao longo da crise económica e financeira na medida em
que o acesso ao crédito foi significativamente restringido.
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A Comissão Europeia publicou, em Setembro último, um estudo que visa abordar o impacto económico dos pagamentos em atraso,
com particular incidência nos quatro países que mais fustigados foram
pela crise – Itália, Espanha, Grécia e Portugal – procurando
estabelecer, no mesmo, uma estimativa dos custos financeiros decorrentes
desta realidade para as empresas e uma ligação empírica entre o atraso
nos pagamentos e a taxa de mortalidade das empresas. Todavia, a análise
econométrica que deu origem a este estudo utiliza dados referentes a um
conjunto alargado de Estados-membros, o que permite que os resultados
sejam extensíveis aos demais países da União Europeia.
Estado é (quase) sempre o pior pagador
A importância dos créditos comerciais, ou seja, daqueles que aceitam o
pagamento depois da “oferta” de bens e serviços, aumentou
consideravelmente ao longo da crise económica e financeira. E no
seguimento da necessidade de se restaurar os balanços das empresas
devido a esta mesma crise, o problema nos atrasos dos pagamentos
tornou-se muito mais urgente. Na verdade, e de acordo com os dados
existentes para Espanha, Itália e Portugal, é notório que os atrasos nos
pagamentos entre empresas e entre estas e o Estado agudizaram-se
sobremaneira com a denominada Grande Recessão.
Obviamente que esta
realidade afecta de forma mais brutal as pequenas e médias empresas,
nomeadamente os seus cash-flows, os seus custos financeiros, em
conjunto com a enorme incerteza que nelas gera enquanto credoras. No
geral, a proporção de empresas que identifica os atrasos nos pagamentos
como uma barreira aumenta em proporção directa com a menor dimensão das
mesmas, sendo que 47% das microempresas os interpretam como um enorme
problema versus apenas 35% das empresas de grande dimensão.
Estes atrasos dão origem a condições financeiras muito mais
restritiva e a um aumento dos custos administrativos e financeiros, na
medida em que o financiamento externo pode vir a ser necessário para a
gestão do cash-flow. Não é assim de estranhar que estes atrasos
possam resultar em insolvências e falências, o que significa que as
empresas são obrigadas a deixar o mercado, “morrendo”. Este efeito é
mais claro no caso em que é o Estado o grande devedor, sendo o efeito
líquido dos pagamentos em atrasos nas transacções B2B, a priori,
menos intuitivo na medida em que, apesar de ter um efeito negativo nos
credores, no que diz respeito aos devedores, a consequência é inversa.
O paper em causa aborda assim os custos dos atrasos nos
pagamentos tanto nas transacções B2B, como nas G2B, estimando o custo
financeiro que o mesmo impõe, em conjunto com o efeito na “morte” das
empresas na medida em que as “empurra” para fora do mercado.
Uma das primeiras conclusões do estudo sublinha a heterogeneidade no
que respeita ao prazo médio de pagamentos e aos seus atrasos entre os
diversos Estados-membros. No que respeita às transacções G2B, Itália,
Portugal, Grécia e Espanha são os países que pior performance demonstram
em ambos os critérios. As autoridades públicas em países como a
Finlândia, a Estónia, a Suécia, a Dinamarca e a Alemanha são, por seu
turno, os que se destacam, entre todos os Estados-membros, pela
positiva.
Com a Alemanha a servir como referência, o efeito da crise em termos
de atrasos nos pagamentos é perfeitamente visível em Espanha, Grécia e
Itália e Portugal, com o país da senhora Merkel a demonstrar uma
significativa melhoria, no que aos pagamentos do Estado diz respeito, e
mesmo ao longo de todo o período de crise. Um outro gráfico que consta
do estudo comprova igualmente que, tanto em termos de prazo médio de
pagamento, como dos atrasos, entre empresas, Itália, Chipre, Espanha,
Portugal e Grécia são os mais “mal-comportados”, sendo que no top dos
melhores se encontram a Finlândia, a Roménia, a Alemanha, a Áustria e a
Dinamarca. O paper realça, contudo, que apesar de o problema se ter agravado com a crise financeira em alguns dos piores performers,
os dois últimos anos demonstraram algumas melhorias. E, em todos os
gráficos analisados, o Estado ocupa sempre o lugar de pior pagador
quando comparado com as transacções efectuadas entre empresas.
Num mundo ideal, pagar a horas significaria diminuir drasticamente a morte das empresas
Para estimar o efeito dos atrasos nos pagamentos na taxa de
mortalidade das empresas, o estudo em causa levou em linha de conta um
painel de dados anuais de 17 Estados-membros da UE, cobrindo nove
sectores e o período entre 2005 e 2010. E apesar de este paper
se concentrar nas reformas realizadas em Itália, Espanha, Grécia e
Portugal (depois deste período), a análise econométrica é feita a partir
de dados relativos a uma amostra mais ampla dos países da UE,
nomeadamente a Áustria, Bélgica, República Checa, Alemanha, Dinamarca,
Estónia, Espanha, Finlândia, França, Hungria, Itália, Holanda, Polónia,
Portugal, Suécia, Eslováquia e Reino Unido, sendo que as “elasticidades”
estimadas se referem, assim, à média dos efeitos sentidos na própria
União Europeia.
Os retrocessos são analisados separadamente no que respeita ao
impacto na taxa de “saída” das empresas do mercado devido aos atrasos
dos pagamentos tanto nas transacções B2G como nas B2B – na medida em que
poderia ser argumentado que os atrasos nos pagamentos no sector privado
não são independentes dos atrasos nos pagamentos no sector do Estado,
“pormenor” que o autor do estudo leva em consideração. Todavia, este
facto reforça a ideia que o efeito dos pagamentos com atraso por parte
do Estado e relativamente às empresas privadas pode gerar repercussões
em outras empresas (sob a forma também de atrasos nos pagamentos no
segmento B2B). Existe igualmente uma diferença entre a dimensão das
empresas que se envolvem em cada um dos tipos de transacções: por um
lado, porque nas transacções entre as autoridades nacionais e as
empresas privadas, assiste-se, em regra, a uma sobre-representação das
de maior dimensão; por outro, porque as operações entre as empresas
privadas têm maior probabilidade de afectar as pequenas e médias
empresas e, consequentemente, os negócios que com mais facilidade
poderão vir a ser extintos.
Apesar de o autor sublinhar a falta de dados no que respeita à
representação das PME nas transacções B2B, entre 2006 e 2008, 66% do
valor total dos contratos públicos foram adjudicados a empresas de
grande dimensão.
Adicionalmente, o sinal esperado dos efeitos dos atrasos nas empresas
não é tão directo como no caso da administração pública devido ao facto
de as transacções privadas envolverem dois agentes, um credor e outro
devedor. Um sinal positivo seria esperado se, por exemplo, as PME
caíssem na categoria dos credores e as grandes empresas agissem como
devedoras. Mas a verdade é que a questão do atraso nos pagamentos tende,
de longe, a representar uma taxa de turnover muito superior
nas PME, sendo que estas são também muito mais vulneráveis a problemas
de liquidez devido ao acesso mais dificultado ao crédito que têm. Assim,
os resultados sugerem que o atraso nos pagamentos causam, a estas
empresas, um fardo financeiro muito mais pesado, o qual pode obrigar,
consequentemente, à sua saída do mercado.
No que respeita às transacções B2B, os resultados empíricos
demonstram que o atraso é estatisticamente significativo e possui um
impacto prejudicial na medida em que aumenta a taxa de saída do mercado:
a redução de um ponto no rácio de atraso dos pagamentos reduziria as
taxas de mortalidade das empresas em cerca de 2.8 a 3.4 pontos
percentuais. Por seu turno, nas transacções G2B, o mesmo efeito
estatístico significativo dos atrasos nos pagamentos também se comprova –
um ponto de redução no rácio de atraso conduz a um decréscimo nas taxas
de saída de cerca de 1.7 a 2 pontos percentuais. Todavia, o efeito é
mais reduzido do que nas transacções B2B, o qual poderá dever-se à
diferente representação das PME nos dois tipos de transacções.
Em Portugal, mais de nove mil empresas poderiam ser salvas
Para avaliar a relação directa entre os atrasos nos pagamentos e a
taxa de mortalidade das empresas nos quatro países em causa, o autor
socorreu-se de dois cenários possíveis.
O primeiro olha para os progressos desde 2010, e compara as
alterações ocorridas entre este ano e 2013 no rácio de atraso de
pagamentos por país. O cenário, simulado para Itália, Espanha e
Portugal, mostra que a um dia a menos nos atrasos de pagamentos
corresponde uma redução estimada de 0.08 pontos percentuais em termos de
mortalidade das empresas (B2B) e de 0.52 pontos percentuais nas
transacções G2B.
O segundo cenário, obvia e infelizmente hipotético, prevê o impacto
da redução total dos atrasos nos pagamentos – para zero – de acordo com
os atrasos médios relativos a 2010 para cada país. No caso específico
português, este cenário ideal representaria um decréscimo da taxa de
mortalidade das empresas de cerca de 16,78% (B2B) e de 16,27% para as
transacções entre o Estado e as empresas privadas. Nos três países
especificamente analisados, os ganhos observados seriam substanciais,
com especial relevância para o nosso país, o qual é apontado como o
território que mais teria a ganhar com este cenário, na medida em que o
país apresenta os mais reduzidos termos contratuais comparativamente a
Espanha e à Itália.
Como adverte também o estudo, os números apresentados em termos de
percentagem parecem pouco significativos. Mas, se olharmos para a
magnitude desta redução, em termos de quantidade de empresas que seriam
salvas e se as taxas de mortalidade fossem reduzidas em um ponto
percentual (nos vários sectores analisados), a Itália acusaria uma
redução de mortalidade que se cifraria em 41,415 empresas, ao passo que
em Portugal e em Espanha a redução seria de 9,373 e de 31,747
respectivamente.
As conclusões deste estudo estão, assim, em linha, com a lógica
económica e sugerem que os atrasos nos pagamentos em termos de
transacções comerciais tanto no sector público como nas entidades
privadas possuem impactos verdadeiramente prejudiciais no ambiente de
negócios, em particular ao exacerbarem o fardo de empresas já
financeiramente vulneráveis, o que as pode obrigar a desaparecer do
mercado.
Por outro lado, o custo financeiro em termos do PIB imposto pelos
atrasos nos pagamentos por parte do Estado é elevado, sendo “liderado”,
na União Europeia, por países como a Grécia, Portugal, Itália e Espanha.
A notícia menos má é a redução do rácio existente entre os atrasos e os
termos contratuais em Portugal, e também na Itália, observados em 2013,
o que poderá traduzir-se em menos “extinções” de empresas. A situação
não melhorou em Espanha, o que poderá indicar que os efeitos das medidas
recentes de combate a estes atrasos não são ainda observáveis em termos
de dados.
Nota: De acordo
com o autor do estudo, as análises que visam quantificar os custos
económicos do problema dos atrasos nos pagamentos são muito limitadas.
Todavia, o responsável por este paper, William Connell,
analista económico e membro do Directorate-General for Economic and
Financial Affairs (ECFIN), utilizou dados contidos num projecto
elaborado pelo próprio ECFIN, cujas principais conclusões são
apresentadas num outro relatório intitulado “Market Reforms at work in Italy, Spain, Portugal and Greece”, European Economy 5|2014. Caso pretenda fazer uma análise mais aprofundada do estudo aqui resumido, consulte O impacto económico dos pagamentos em atraso.
* Um excelente texto, quanto mais vezes o ler mais aprende!
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