Mar de angústias
Lentamente, no Governo e na maioria, as dúvidas começam a colocar-se: é
possível governar com esta montanha de dívida – e sem que exista um
perdão, mesmo que curto, mesmo que disfarçado? Portugal deve mesmo
voltar aos mercados – sendo que nunca conseguirá emitir dívida a juros
tão baixos (sim, baixos) como os que tem hoje?
As dúvidas novamente
levantadas nas últimas semanas sobre a sustentabilidade da zona euro
afligem todos, mesmo os mais ortodoxos. As economias afundam-se; França e
Holanda anunciam mais austeridade; O Chipre prepara-se para uma
reestruturação de dívida; A Itália cai aos braços da instabilidade
política; o BCE tarda em definir as condições de acesso ao programa de
compra de dívida pública dos países sob assistência. E até as
negociações no Ecofin começam a separar as soluções para Portugal das
que serão aplicadas à Irlanda – o que representa um risco evidente para
nós.
Pelos corredores do Parlamento, a desorientação dos próprios
deputados da maioria nota-se à distância de um corredor – por onde, esta
semana, corriam as certezas de que a revisão da troika não corria pelo
melhor. Por onde se estranhava como, numa distância de cinco dias, a
táctica política variava do namoro de Portas e Gaspar ao PS até à
acusação de «demagogia» feita pelo primeiro-ministro.
Em plena sétima avaliação, o clima na maioria é, portanto, de angústia.
Já
nos corredores do Largo do Rato, antecipa-se que o correr das ‘manifs’
levem ao desgoverno do país. Antevê-se um problema para o Governo na
decisão do TC. E, não muito distante, um novo prenúncio de ruptura na
coligação.
Com a incerteza dos tempos, Seguro conteve-se na
afirmação de uma alternativa política total. Mas permitiu que alguns
elementos da sua direcção fossem à manifestação contra a troika, quando o
PS não se diz contra a troika. Será que alguém no Rato leu aquele
manifesto ?
‘Manif’ e numerologia
No meio do turbilhão, da
contestação, da natural angústia, tudo empurra para o precipício –
ignorando o facto de que podemos cair muito mais fundo ainda.
Pretende-se que Cavaco grite contra o Governo; encosta-se Passos Coelho a
coisas que ele não disse realmente; esbraceja-se com números tremendos
sobre a ‘manif’ de sábado.
Ao longo da semana, a polémica sobre
os números foi desvalorizada. Normalmente concordo, desta vez não: se
estivesse milhão e meio na rua contra o Governo tínhamos claramente
chegado ao ponto em que era impossível governar. Não foi assim.
A
‘manif’ foi impressionante, claro. Grande, ordeira, tristemente
silenciosa. Bonita – num certo sentido trágico. Muita gente, muita
mesmo, já não acredita em nada disto. Mas – é bom dizê-lo – muitas
outras ainda querem acreditar.
O que não sei, ninguém sabe, é se
aguentam muito mais tempo nesse estado. A ouvir a frieza com que o
primeiro-ministro lhes fala. Eu sei que é dele, é de feitio. Mas o povo
não é assim. Não neste Sul. Nem o mais racional. E quem comanda tem que
saber isto, lembrando-se da lição de António Damásio: a emoção e a razão
são um só, não se separam senão na morte.
IN "SOL"
11/03/13
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