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Legitimidades
Mas é legítima a dúvida, se a aquacultura é de facto o caminho do futuro, ou tão só mais um nicho de mercado da chamada economia do mar
1.
São tão raros os protestos coletivos nesta terra insular, que quando
ocorrem representam revigorantes lufadas de ar fresco numa cidadania
amodorrada à soalheira esplanada ou ao cobarde anonimato das redes
sociais, que quando acontecem, ganham quase estatuto de milagre.
Refiro-me a recentes atos de protesto coletivo, resultantes de decisões
do novel regional e coligado governo. Foi bonito de ver, as gentes
daqueles concelhos das costas de baixo protestarem contra a anunciada
intenção do governante da tutela, de permitir a colocação de mais jaulas
de aquacultura no mar. Sabe bem à consciência cidadã, é um belo
ensinamento para as gerações mais novas. É sabido que por determinação
europeia há que acomodar-se às quotas de pescado, e ao seu impacto numa
atividade económica geradora de apreciáveis quantitativos financeiros e
meio de sobrevivência... Mas é legítima a dúvida, se a aquacultura é de
facto o caminho do futuro, ou tão só mais um nicho de mercado da chamada
economia do mar, que rende lucros consideráveis a partir da exploração
privada de um recurso que é de todos, restando muitas interrogações
sobre que benefícios revertem para o bem comum, e se estarão devidamente
acautelados, impactos e eventuais prejuízos para a fauna marinha, a
saúde e sustentabilidade dos oceanos de que tanto se fala... e que é
imperativo ético de todos preservar! Posto isto, é mesmo pertinente a
necessidade de tal produção de peixe?
2. Ao cidadão comum,
preocupado com notícias e evidências dos problemas relacionados com a
saúde no país e na região, com eternas listas de espera para cirurgias,
insuficiência de consultas de especialidade nos hospitais ou de médico
de família nos centros de saúde, casos de falta de medicamentos
hospitalares para doenças graves, ou ainda escassez de camas para
internamento de doentes, - para não falar da eterna novela do novo
hospital - pouco interessará quem ocupa o cargo de diretor clínico do
nosso hospital e de que modo é lá colocado. Para além de um hipotético
encolher de ombros, a revolta de um significativo grupo de médicos do
hospital face à nomeação pelo governo, do diretor clínico escolhido pela
sua filiação partidária, dirá pouco. Ao que parece, o motivo da
discórdia é a dita nomeação ter sido o resultado de mais uma negociação
partidária do novel governo de coligação. Desconhece-se como eram os
processos anteriores de escolha do cargo, mas se de facto é do diretor
clínico de um hospital que se trata, ao leigo parece evidente que a par
de legítimas aspirações de desenvolvimento de carreira, competência
científica, profissional e relacional, acima de tudo condição essencial
será o reconhecimento e aceitação pelos seus pares. Porque a
concretização de cuidados de saúde – como a educação, a justiça, a
segurança social – radicam no trabalho cooperativo e colaborativo de
muitos e diversos profissionais. E tratando-se de uma instituição
pública, central ao desenvolvimento de cuidados de saúde da população,
afigura-se requisito de igual valor, o compromisso ético engajado na
resolução dos preocupantes problemas com que o sector se debate e não
mais uma moeda de troca na negociação do governo de coligação. Como se
de uma repartição de despojos de guerra se tratasse! E tudo em nome do
exercício do poder...
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
12/02/20
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