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Morreu a Democracia.
Viva Boris Johnson
Há que admitir que uma maioria dos britânicos continuou a votar contra o Brexit e que, em vez de verem essa vontade refletida no resultado eleitoral veem justamente o oposto. Pior. Veem-se esmagados pelas forças contrárias.
Muito se
tem dito e escrito sobre a vitória esmagadora de Boris Johnson nas
últimas eleições, as tais que o mesmo declarou serem “irrefutáveis,
irresistíveis e inargumentáveis” quanto à clareza dos seus resultados. O
Partido Conservador conseguiu uma maioria esmagadora de 364 deputados
num total de 650 eleitos, quando o Partido Trabalhista se ficou por uns
míseros 203, o seu pior resultado em mais de 80 anos.
Todos
sabemos que o sistema eleitoral inglês é particular e que, por cada
círculo de eleitores, apenas um deputado é eleito. Isto significa que
todos os votos expressos pelos candidatos perdedores vão para o lixo e
ficam sem qualquer expressão quer seja a nível local, quer seja a nível
nacional. Assim, numa circunscrição de, por exemplo, 100 eleitores, se
um deles tiver 20 votos, o segundo 19, o terceiro 18, o quarto 17 e o
quinto 16 e os restantes 10 forem brancos, nulos ou abstenções, apenas
os 20 votos do vencedor contam. Todos os outros ficam sem significado,
não contam.
É por esta razão que a vitória em número de deputados
não representa o sentimento nacional, apenas e tão-só reflete vitórias
locais, na sua vasta maioria, minoritárias, isto é, com bem menos de 50%
dos votos. Foi desta forma que, nas tais eleições “irrefutáveis” que
levarão ao Brexit, 52% dos eleitores votaram por partidos que ou se
opunham ao Brexit ou pugnavam por um segundo referendo. É também por
esta razão que 45,3% dos eleitores (isto é, das pessoas que foram votar)
não obtiveram qualquer forma de representação parlamentar.
É
ainda por isto que o Partido Nacionalista Escocês elegeu 48 deputados
com apenas 1.242.000 votos e o Partido dos Liberais Democratas elegeu
apenas 11 parlamentares apesar dos seus 3.650.000 votos. Os números são
impressionantes e atestam do desequilíbrio do sistema, sobretudo, como
era o caso, quando são temas de interesse nacional – o Brexit e o estado
do NHS (o nosso SNS) – que estavam em causa. Para eleger um deputado
conservador bastaram 38.300 votos, um Trabalhista necessitou 50.800, um
Liberal Democrata 334.000 votos e para eleger o único deputado verde
foram precisos mais de 865.000 eleitores.
Naturalmente que as
regras são as mesmas para todos os partidos. Elas são antigas e são
aceites como um bom reflexo da vontade do povo britânico. Há certamente
matérias em que o sistema aproxima os eleitos dos eleitores,
obrigando-os a ter presentes os ensejos e necessidades do círculo que
representam. Porém há que admitir que uma maioria dos britânicos
continuou a votar contra o Brexit e que, em vez de verem essa vontade
refletida no resultado eleitoral veem justamente o oposto. Pior. Veem-se
esmagados pelas forças contrárias.
O que é paradoxal é que foi
precisamente o défice de representatividade e a chamada falta de
“legitimidade democrática” que os britânicos sempre assacaram às
instituições europeias, acusando-as de uma burocracia irritante e
distante que se dedica a determinar a curvatura das bananas e o diâmetro
dos preservativos, esquecendo as necessidades reais dos povos e das
pessoas. Em resposta a tal situação, apenas a devolução de poder se
poderia aplicar e ela aí está.
A libra e a bolsa dispararam. Na
sexta-feira passada, uma família europeia comprou uma casa por 65
milhões de libras em Londres declarando expressamente tê-lo feito por
causa do resultado das eleições. Os bilionários russos, árabes,
franceses, brasileiros, etc. respiraram de alívio. E, como facilitador
de tal desfecho, o inenarrável Corbyn, o mesmo que queria renacionalizar
tudo e dar 10% de todas as empresas cotadas aos trabalhadores. Aquele
que prometeu taxar os ricos até que nada lhes restasse.
Não sei o
que irá acontecer aos operários que votaram em Johnson. Não sei o que
acontecerá ao NHS. Não faço ideia o que farão as indústrias que vivem da
exportação para os mercados europeus. E também não tenho a certeza do
que espera os emigrantes lá radicados. Mas temo saber o que acontecerá à
Inglaterra – talvez mesmo sem a Escócia e sem a Irlanda do Norte:
Londres será a sua nova Singapura-sobre-o Tamisa, um paraíso fiscal e
financeiro, um sonho ultraliberal que nem Margaret Thatcher teria ousado
levar a cabo.
IN "O JORNAL ECONÓMICO"
20/12/19
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