31/07/2019

JOANA MARQUES

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 As raízes de Coentrão

Fábio Coentrão foi a figura da semana. Nem quando se descobriu que tinha pago quatro mil euros pela carta de condução foi tão falado como agora.

Os portugueses, de maneira geral, dão mais valor ao futebol do que a infrações rodoviárias. O que explica tanto a sinistralidade nas estradas nacionais como as audiências de programas sobre nada, durante todo o defeso.

Os comentadores descansam muito menos do que os futebolistas. É injusto, porque especular também é um desporto de alta competição e uma profissão atreita a lesões (veja-se o que aconteceu a Rui Santos, em tempos, à porta dos estúdios da SIC). Coentrão foi colocado na órbita do F. C. Porto e os adeptos mostraram logo a sua vontade de o enviar numa expedição para Marte, ou, em alternativa, para o planeta vermelho da Segunda Circular. É certo que aí também teria vida difícil: os benfiquistas não lhe perdoam que, depois de tantas juras de amor, tenha revelado que era do Sporting desde sempre. É a vontade de agradar que trama Fábio. Todos conhecemos alguém assim. É aquela amiga que só nos diz o que queremos ouvir: "O Tiago não te merecia, fizeste bem em acabar tudo com aquele porco". Semana seguinte, após reatamento: "Ainda bem que voltaste para o Tiago, fazem um casal lindo". As amigas que são para guardar são as sinceras, as que nos avisam quando temos espinafres nos dentes. Coentrão é o equivalente àquele colega da Primária que jurava ser o nosso melhor amigo, e depois vínhamos a descobrir que era só para copiar no teste de matemática. E se o Fábio devia precisar de copiar! O homem tem de pagar para passar naquele exame sobre os sinais de trânsito, imaginem frações e raízes quadradas! As únicas raízes que Coentrão domina são as do cabelo, já que consegue aquele degradé de tons só ao alcance dos melhores cabeleireiros. Descrito assim, Fábio parece ser um interesseiro, mas isso não é necessariamente mau. Ter interesses é bom, afinal de contas perguntam-nos por isso até nas entrevistas de emprego. "Que outros interesses tem, além do trabalho?" E nós lá dizemos: ler, ir ao cinema, correr... Normalmente omitimos o "ganhar dinheiro, muito dinheiro", mas é um desejo comum a todos (a não ser a uma ou outra carmelita descalça que possa estar a ler). Assim, não me choca nem que Coentrão sonhasse alinhar pelos três grandes (é como um consultor querer percorrer as maiores multinacionais), nem que se declare apaixonado por cada um dos emblemas. Também há tipos que chegam à Deloitte e dizem "isto realmente é muito melhor que a PwC... aposto que aqui nunca trocariam o envelope dos Oscars, como aqueles amadores!". Lambe-botas há em todas as profissões, o pior é quando se conjuga essa "qualidade" com um defeito que adoro, a irascibilidade. Adoro eu e adora o Sérgio Conceição, daí, provavelmente, identificar-se com o lateral ex-Benfica, ex-Sporting, ex-Real, ex-Rio Ave... é que uma pessoa irascível vai deixando marca por onde passa... nomeadamente no banco de suplentes que certo dia esmurrou... ou no Marega, que insultou... ou nos adeptos do F. C. Porto, que insultou... ou no Samaris, a quem baixou os calções (os irascíveis costumam ser infantis, faz parte!). Coentrão é uma daquelas personagens que amamos odiar.

E sempre quis ser personagem principal, por isso não consegue agora passar despercebido e introduzir-se discretamente entre os figurantes, ao pé de um Marcano qualquer. Eu habituei-me a odiar (um ódio saudável, conceito novo que gostaria de introduzir) João Vieira Pinto, como os benfiquistas se habituaram a odiar Jorge Costa, ou os sportinguistas Simão Sabrosa. Não queiram, de repente, trocar-nos as voltas. 

O adepto vai ao futebol para sentir, não para pensar. Imaginem o que seria, ao ver Fábio Coentrão de azul e branco, ter de racionalizar: "calma, não é para assobiar!" Há jogadores que são apenas jogadores - e este "apenas" não é redutor, podem ser até os mais talentosos - e depois há os outros, que são símbolos, para o bem e para o mal. Fábio Coentrão simboliza tudo o que não é o F. C. Porto. Teria de fazer uma operação plástica mais extensa que a do Herrera para podermos vê-lo com outros olhos. Enfiar Coentrão no F. C. Porto a poucos dias de começar a época era como transferir Rui Rio para o PS durante a campanha eleitoral. Não nos confundam, por favor. E joguem à bola.

20 VALORES
Para a Proteção Civil, que entregou milhares de golas antifumo, fabricadas com material inflamável, às populações do interior, no kit de emergência "Aldeia Segura". O fabricante dos kits, Foxtrot (nome giro, pois parece estar a dar baile) diz que não percebeu que as golas eram para usar em cenário de fogo. Talvez tenham achado que era para ir a um festival de verão. Dizem que pensavam tratar-se de merchandising. Eu sei que a Proteção Civil podia usar o slogan do Rock in Rio, "por um Mundo melhor", mas não faria muito sentido distribuir brindes em Pedrógão.

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
28/07/19

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