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IN "VISÃO"
08/02/19
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Eu gosto dos enfermeiros
Eu
gosto dos enfermeiros. Sempre que tive de me cruzar com enfermeiros,
fui atendido de forma profissional e humana. Acho mesmo – perdoem-me a
generalização - que escolheram aquela profissão por uma questão de
vocação. Mais do que os médicos. Reconheço-lhes a sensibilidade, a
humanidade e a cara alegre com que executam as tarefas mais repugnantes,
as que os médicos dispensam e lhes delegam e que, do ponto de visto dos
cuidados com o corpo humano, acabam por ser as que mais volta dão ao
estômago. Só por isso, já têm os meus créditos. Eu acho que podia ser
médico, mas não era capaz de ser enfermeiro. Portanto, eu, que os tenho
em tão boa conta, era capaz de cortar relações com um enfermeiro que
fosse o oposto do explícito nestes elogios. Mas isso sou eu, que não
lido com eles institucionalmente, em funções inerentes a cargos
executivos e, portanto, posso entregar-me a “estados de alma”. O
Ministério da Saúde não. O Ministério da Saúde não tem estados de alma. É
uma estrutura do Governo e tem relações institucionais. O Ministério da
Saúde não precisa de levar injeções nem que lhe recolham as fezes para
análise. O Ministério da Saúde é composto por pessoas, mas não é uma
pessoa. O Ministério da Saúde não pode cortar relações com a Ordem dos
Enfermeiros porque sim. Ou porque lhe desagrada o comportamento, ou a
atitude, ou as declarações da bastonária. O Ministério da Saúde, se acha
que a bastonária comete irregularidades ou ilegalidades, recorre ao
Tribunal Administrativo. O Ministério da Saúde não devia perder a
cabeça, desorientar-se, nem mostrar desespero e impotência. Bom, mas o
Ministério da Saúde fez isto tudo. Porquê?
Pelo
exposto, também não acredito que os enfermeiros façam uma greve para
prejudicar deliberadamente os doentes, para lhes adiar cirurgias e, quem
sabe, contribuir para que se percam vidas por falta de assistência.
(Embora eu, se tivesse um familiar a morrer por falta de uma cirurgia,
ponderasse pôr o sindicato dos enfermeiros em tribunal...) Mas eu, se
não acredito que os enfermeiros, a tal classe que prima pela
generosidade em ajudar o seu semelhante fragilizado, faça algo
deliberado para aumentar a morbilidade e, até, a mortalidade da
população, acredito que, como todas as classes, esta possa ser
manipulada para que se consiga, à sua custa, atingir determinados fins
políticos, seja pôr em causa o Serviço Nacional de Saúde (SNS), seja
causar dificuldades ao PS, em ano eleitoral. Neste momento, os
enfermeiros estão a passar por um estado de euforia, inebriados pelo
sucesso da sua ação, conscientes do seu poder. Essa bebedeira é
perigosa. Mas boa, enquanto dura.
Não acredito que estejam a ser
financiados pelo poder oculto do setor privado, para estoirar com o SNS,
embora o resultado objetivo desta luta possa ser esse mesmo. Não os
imagino, porém, a colaborar conscientemente numa pugna que pode ter como
resultado final o desemprego, por falência do SNS, e a reciclagem como
«colaboradores» dos privados, onde ganharão menos e terão mais
dificuldades em fazer greves, a torto e a direito. No limite, a ressaca
desta «pedrada» que agora sentem a bater poderia ser essa. Mas eles não
são masoquistas ao ponto de o prever.
Na
verdade, com o sistema de crowdfunding, o sindicato está a tatear, a
inovar, a revolucionar os moldes tradicionais das lutas laborais. Nada a
opor, mas eu, se fosse um militante oposicionista a este Governo, por
exemplo, um militante ferrenho do PSD, punha lá algum - e queria lá
saber das reivindicações dos enfermeiros! Nem era preciso ser o dono de
um hospital privado. E é por isso que é tão importante saber-se quem
financia, não para impedir esse financiamento, mas para conhecermos as
suas motivações exatas.
Sempre
achei que a convocação de greves condenadas ao insucesso devia
responsabilizar quem as convoca. Como trabalhador, eu - que nunca fiz
uma greve, embora seja sindicalizado - bateria à porta do meu sindicato a
pedir contas: “Fui na vossa conversa, convenceram-me de que iria
garantir os meus direitos, perdi dois dias de salário, e nada. Quem me
paga o prejuízo?”. Dir-me-iam: “Fizeste greve porque quiseste, a greve é
uma opção de cada trabalhador”. De acordo, mas sabemos bem como
funciona a pressão em ambiente de trabalho, para não falar dos piquetes
de greve... Por isso, defendo que qualquer sindicalizado devia descontar
para um fundo de greve. Infelizmente, temos a ideia de que os nossos
descontos para os sindicatos se destinam, unicamente, a pagar os
salários aos sindicalistas: professores que não dão aulas há 30 anos,
torneiros mecânicos que não passaram de aprendizes, jornalistas que
escreveram a última linha no tempo da Maria Cachucha e enfermeiros que
nunca acertaram numa veia para tirar sangue. Um fundo de greve seria
transparente: descontávamos agora para receber quando tivéssemos de
fazer uma paralisação. Mas este crowdfunding é opaco, pode ser
manipulado e terá motivações insondáveis. Digam o que disserem.
O
Governo de António Costa pode estar a colher as tempestades dos ventos
do “virar de página da austeridade” que andou a semear. Mas esse
argumento – que foi esta sexta-feira usado, no Parlamento, por uma
deputada do PSD – também não é completamente válido. Mesmo dando de
barato que a página da austeridade não foi completamente virada no
consulado da geringonça, as reivindicações dos enfermerios não têm nada a
ver com isso. Porque uma coisa é acabar com a austeridade., Outra coisa
é aumentar a despesa de uma forma tal que nos obrigue a novo período de
austeridade ainda pior, algo que o Governo faz muito bem em evitar. O
argumento não é o de que não há dinheiro. O argumento é o de que há
dinheiro, mas é preciso para outras coisas, mais importantes do que
satisfazer os apetites de corporações. E isto é válido tanto para os
enfermeiros do SINDEPOR (que alguns acham que é de direita) como para os
professores da FENPROF – que toda a gente sabe que é do PCP.
Eu
gosto dos enfermeiros, porque fazem boa enfermagem. Também gosto dos
políticos quando aplicam boas políticas. Mas nunca vi um político a
suturar uma ferida. Também não me apetece ver uma enfermeira a
determinar a política de Saúde, em Portugal. Se é que me entendem.
IN "VISÃO"
08/02/19
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