A dança da chuva
Deus, no futebol, só José Mourinho, como se verá para o ano,
quando o Manchester United voltar ao que tem sido a sua performance
média dos últimos 30 anos e ganhar o campeonato inglês.
Entre os nativos norte-americanos a dança da chuva era uma prática
muito comum. E, de facto, parece haver dados que comprovam a sua
eficácia. Este ritual não está esquecido. Por exemplo, durante a última
grande seca que houve na Califórnia, que começou em 2011, houve várias notícias
com rituais herdados das danças da chuva nos nativos. A leitora pode
duvidar da eficácia destas danças, mas a verdade é que em 4 de Abril
deste ano a seca acabou. Não são só os índios que têm destas coisas. O Governador do Texas, Rick Perry, em 2011, decretou três dias de oração
para pedir chuva aos deuses. Amigos disseram-me que resultou. Esta
técnica para fazer chover é bastante comum. Por exemplo, o Governador da
Georgia, Sonny Perdue, em 2007, já a tinha usado,
apelando aos seus constituintes que rezassem por chuva. E o resultado
foi tão bom que, em 2017, Donald Trump, com o acordo maioritário do
Senado, nomeou Sonny Perdue para a pasta da Agricultura.
Não conheço os dados, mas não tenho dúvidas de que a pluviosidade
média no mês a seguir às diversas danças da chuva é maior do que a do
mês anterior. Isso acontece por uma razão muito simples e a que os
estatísticos gostam de chamar reversão para a média. Tentando explicar
de forma simplificada, à medida que o tempo passa o valor de uma
variável tenderá a voltar ao seu valor médio. Os desvios podem ser mais
ou menos persistentes, naturalmente, mas a tendência é que se reverta
para o valor médio. Como as pessoas só vão dançar a dança da chuva para a
rua se estiverem muito desesperadas, ou como um Governador só se
lembrará de decretar três dias de oração pela chuva ao fim de uns meses
anormais de seca, a reversão para média diz-nos que é provável que a
chuva acabe por vir. Como a mente humana é fantástica a descobrir
relações de causa-efeito onde elas não existem, não admira que muitas
pessoas acreditem no sucesso destas políticas meteorológicas.
Algo de muito semelhante acontece com as chicotadas psicológicas no
futebol. Já todos nos habituámos, pelo que nem estranhamos quando
acontece, a ver os treinadores serem despedidos depois de uma sequência
de maus resultados ou ao fim de um ano abaixo das expectativas. E, na
verdade, muitas vezes os resultados da equipa melhoram com o novo
treinador. No entanto, um estudo atento dos dados desmente este efeito
benéfico das chicotadas psicológicas.
Para estimar o efeito da chicotada psicológica, é imprescindível
estimar o que seriam os resultados caso o treinador não tivesse sido
chicoteado. Tal como no caso da chuva, é necessário tentar perceber o
que aconteceria se não tivesse havido dança ou outros rituais
religiosos. Neste último caso, pode-se olhar para a meteorologia de
Estados vizinhos onde não tenha havido orações. Se a chuva tiver voltado
quer a um Estado quer ao outro, então é razoável afirmar que as orações
pouco contribuíram para o desejado resultado. No caso do desporto de
competição, é um pouco mais complicado, mas, ainda assim, é possível e
já vários economistas (e até sociólogos e cientistas políticos) se
debruçaram sobre o assunto.
Sandra Maximiano, professora de Economia na Purdue University, estudou o campeonato português
entre 1999 e 2005. Para estimar o impacto de despedir um treinador nos
resultados da equipa definiu dois grupos de equipas. No primeiro grupo,
juntou as que despediram os treinadores a meio da época. No segundo,
juntou as equipas que tinham tido resultados similares às do primeiro
grupo — ou seja, maus resultados —, mas que não tinham despedido o
técnico. Fez mais algum trabalho estatístico para isolar o efeito de
outros factores importantes — como, por exemplo, a valia dos adversários
— e pôde assim comparar a performance das equipas que depois de uma
série de maus resultados despediram o treinador com a das equipas que
depois de uma série de maus resultados decidiram mantê-lo. E as
conclusões a que chegou foram claras. Passo a citar: “em média, as
equipas melhoram com o novo treinador — ganham mais jogos, marcam mais
golos e sofrem menos. No entanto, todos estes efeitos positivos
desaparecem quando se compara com as equipas que não despediram os
treinadores, mas que tinham uma performance anterior similar”. Ou seja, a
melhoria dos resultados observados não resulta de uma relação
causa-efeito com a chicotada, mas sim da típica reversão para a média.
Não se pense que são os presidentes dos clubes portugueses que são
incompetentes. Vários estudos feitos para outros países, bem como para
outros desportos e usando outras técnicas estatísticas, chegaram às
mesmas conclusões. Por exemplo, Jan C. van Ours e Martin A. van Tuijly,
professores na Universidade de Tilburg, estudaram 14 temporadas do
campeonato holandês. Para estimar se uma equipa estava a ter um
desempenho acima ou abaixo do esperado, recorreram a dados de casas das
apostas no início de cada temporada. Depois, focaram a sua análise nas
equipas que estavam com resultados abaixo do esperado, comparando a
performance das que despediram os treinadores com a das que não fizeram
estalar o chicote. O estudo foi publicado no ano passado e a conclusão foi a mesma: “substituir o treinador principal não melhora a performance da equipa”.
Os estudos anteriores avaliaram a performance da equipa no ano em que
houve a troca de treinador. Há, no entanto, quem defenda que a mudança
de treinador é importante, não só para a época em curso, mas
principalmente para preparar as épocas seguintes. Sobre estes efeitos de
longo prazo, há menos trabalho científico feito, mas, ainda assim,
existe e é de boa qualidade. Os cientistas políticos Scott Adler,
Michael JBerry e David Doherty (professores nas Universidades do
Colorado e de Loyola-Chicago) estudaram os campeonatos de futebol
americano entre as universidades americanas. O trabalho foi publicado na revista Social Science Quaterly,
em 2013. Novamente, as conclusões são pouco animadoras para quem gosta
da dança dos treinadores. Equipas com performances mesmo más continuam
igualmente más quando trocam de treinador. Já equipas que não são tão
más, quando trocam de treinador, vêem os seus resultados piorar nos anos
seguintes.
Se ao facto de as performances não melhorarem com novos treinadores
acrescentarmos os custos financeiros de despedir o antigo treinador,
podemos facilmente concluir que, em regra, a dança dos treinadores é um
péssimo acto de gestão. E, na verdade, se olharmos para a equipa de
futebol portuguesa mais bem sucedida dos últimos anos, o SLBenfica,
muitos dirão que os dois ou três actos de gestão mais importantes do
actual presidente foram o de não despedir Jorge Jesus, quando (quase)
todos os comentadores e adeptos isso exigiam, e o de não despedir Rui
Vitória no ano passado, quando estava a sete pontos do SportingCP.
Nos últimos 24 anos, o Sporting ganhou dois campeonatos (mais um do
que o Boavista no mesmo período). Antes do actual, treinadores tão bons
como Leonardo Jardim ou Marco Silva levaram o Sporting ao 2º e ao 3º
lugar, tal como Jorge Jesus. Também a performance do Porto está dentro
da média dos últimos dez anos, disputando a vitória no campeonato até ao
fim. O mesmo se pode dizer do SLBenfica que, nos últimos anos, tem
disputado os campeonatos até ao fim, ganhando cerca de metade das vezes.
Nesta altura, ainda não é evidente quem vai ganhar o campeonato de
futebol de 2016/2017, mas é mais ou menos óbvio que as três principais
equipas estão a fazer um campeonato que está de acordo com os anos
anteriores. Mesmo que o Benfica não venha a ser campeão, não haverá
motivos para despedir Rui Vitória. Da mesma forma, ainda que o FCPorto
fique em segundo lugar e o Sporting fique em terceiro, despedir Nuno
Espírito Santo ou Jorge Jesus será, muito provavelmente, um erro com
custos financeiros que não trará benefícios desportivos. Já o SCBraga
está a fazer um campeonato inferior, demonstrando, mais uma vez, que
estar sempre a mudar de treinador é má política. Pode ser que o seu
presidente e os seus adeptos aprendam desta vez.
Nas redes sociais e na televisão, vejo muitos adeptos e comentadores a
pedir as cabeças dos treinadores do segundo e do terceiro qualificado,
mas nem Jesus nem Espírito Santo são deuses, pelo que exigir mais seria
irrealista. Deus, no futebol, só José Mourinho, como se verá para o ano,
quando o Manchester United voltar ao que tem sido a sua performance
média dos últimos 30 anos e ganhar o campeonato inglês.
IN "OBSERVADOR"
26/04/17
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