A heteronormatividade
do virgem ofendido
Os tribunais são useiros e vezeiros em sentenças que limitam a
liberdade de expressão e são repetidamente contrariados pelo TEDH. Se
precisar, recorra a crowdfunding. Muitos, como eu, contribuirão.
Os deputados deviam sempre primar pela instrução e nortear-se pelo
princípio da elevação. Não espanta que ao insulto digam não: sim à
liberdade de expressão, mas sempre com educação. Não precisam de
acreditar em mim, basta verem este vídeo até ao fim:
Descrevo. Numa audição à Ministra da Saúde em 2009, Maria José
Nogueira Pinto, deputada do PSD, refere-se a Ricardo Gonçalves, deputado
do PS, dizendo: “há pouco estava a perguntar de onde é que saiu este
palhaço.” E como no parlamento a elevação é a regra e não a excepção,
Gonçalves explica que Nogueira Pinto “vende-se por qualquer preço para
ser eleita por qualquer partido”. Nogueira Pinto não se fica e conclui
que “o Sr. deputado é inimputável”. Esta audição deve ter sido animada,
dado que antes já um deputado do PS tinha sugerido que a oposição estava
esquizofrénica.
Apesar do elevado nível, não fique o leitor a pensar que não há
debates ainda mais elevados. Por exemplo, num sobre painéis solares, o
deputado do PSD José Eduardo Martins convidou um deputado do PS a ir, e
passo a citar, “para o caralho”. Um pouco mais à frente, qual cavalheiro
a defender a honra, ainda desafia o deputado em causa, Afonso Candal,
para um duelo lá fora.
Quem, neste último debate, conduzia os trabalhos era Jaime Gama,
Presidente da Assembleia da República. Jaime Gama, ex-ministro dos
Negócios Estrangeiros (em pelo menos três Governos) também deu alguns
contributos importantes para a elevação. Por exemplo, falou de Alberto
João Jardim como o “Bokassa madeirense”. Bokassa foi, recorde-se, um dos
mais sanguinários ditadores africanos. Num outro debate, Gama
dirigiu-se a Guilherme Silva, deputado do PSD, apelidando-o de “vulgar
canalha”. Não admira que tenha mais tarde sido eleito como pastor do
rebanho.
Cara leitora e caro leitor, não estou a exagerar, experimente pesquisar nos diários da Assembleia
e descobrirá outras pérolas de elevação parlamentar, como quando
Francisco Sousa Tavares se queixou de que o deputado Raul Rego o tinha
mandado para a “puta que o pariu” ao mesmo tempo que o chamava “escarro
moral” ou de quando a Assembleia Regional da Madeira aprovou um voto de
louvor ao Alberto João Jardim por ter chamado “filhos da puta” a alguns
“bastardos do Continente”. Infelizmente, num pudor incompreensível, nos
anos mais recentes, o diário da Assembleia passou a censurar os
insultos, pelo que deixou de ser pesquisável. Por exemplo, não
encontramos o momento em que um deputado do PSD chamou palhaço ao
primeiro-ministro José Sócrates. Felizmente, temos o Facebook e o
Twitter, onde os deputados vão podendo escrever sem censura. Por
exemplo, recentemente, tivemos o jovem deputado Tiago Barbosa Ribeiro a
chamar “gangster” ao anterior Presidente da República.
Ao contrário do que possa parecer, não critico os nossos deputados
por serem pouco civilizados. Bem pelo contrário, execro o respeitinho.
Como muitos, sou daqueles que consideram que um dos momentos mais altos
da nossa Assembleia da República se deu quando a “poeta” Natália Correia
disse que o deputado Morgado apenas tinha trucatrucado uma vez na vida,
insinuando que era capado.
Claro que não é qualquer um que insulta com a classe de Natália, mas
debates acalorados contribuem, ou podem contribuir, para a salubridade
do regime. É também para isso, se calhar, principalmente para isso, que
existe a imunidade parlamentar: para que cada um dos nossos
representantes não se sinta condicionado quando se trata de dizer o que
lhe vem à cabeça, mesmo que seja um disparate ou um insulto.
O que é incompreensível é que um deputado, que a coberto da sua
imunidade pode insultar quem lhe apetecer, recorra aos tribunais porque
um cidadão o insulta. Não é aceitável que quem tem o direito de chamar
vulgar canalha a alguém se arme em virgem ofendido quando alguém lhe
chama camelo. E, sendo aceitável que na nossa Assembleia se chame
mentiroso a alguém, não pode alegar ofensa o deputado a quem acusam de
ser desprovido de neurónios. Diria mesmo que sempre que alguém cita
Oscar Wilde se contribui para a elevação intelectual do debate político
português. Mesmo que a citação seja para dizer que “os loucos por vezes
curam-se, os imbecis nunca”. O regime de imunidade dos deputados devia
exigir que no início de cada mandato tivessem de fazer uma escolha
simples: ou prescindiam da imunidade parlamentar ou prescindiam de
perseguir judicialmente quem os atacasse.
Revolta-me ver o deputado Carlos Peixoto pedir uma indemnização de
10.000€ por danos não-patrimoniais a António Figueiredo e Silva, um
cidadão que reagiu com um artigo de opinião violento, mas muito bem escrito,
a um outro artigo desse deputado em que falava dos velhos como a “peste
grisalha”. O deputado Carlos Peixoto comporta-se como um rufia
cobardolas, que bate nos mais fracos enquanto o irmão mais velho o
protege. Esperava mais dignidade.
Juntando o insulto à injúria, o Tribunal condenou
o homem a pagar uma indemnização ao deputado. Caro António, de si,
apenas sei que vive em Coimbra. Não sei quais as suas capacidades
financeiras, mas espero que recorra ao Tribunal Europeu dos Direitos
Humanos. Os tribunais portugueses são useiros e vezeiros nestas
sentenças que limitam a liberdade de expressão e são recorrentemente
contrariados pelo TEDH. Se não tiver capacidade financeira para tal,
recorra a crowdfunding. Tenho a certeza que, como eu, muitos contribuirão.
Já perto do fim daquela sessão em que a deputada Nogueira Pinto
chamou palhaço a um deputado do PS e a oposição foi acusada de
esquizofrenia, o deputado João Semedo concluiu que o que ali se tinha
passado era um insulto aos palhaços e esquizofrénicos. Essa é a única
crítica que faço a António Silva. Ao comparar Carlos Peixoto a um
camelo, insultou os camelos. E isso não se faz, são bichos muito
respeitáveis.
IN "OBSERVADOR"
02/11/16
Os loucos por vezes curam-se,
os imbecis nunca.
(Óscar Wilde)
A PESTE GRISALHA
(Carta aberta a deputado do PSD)
Exmo. sr.
António Carlos Sousa Gomes da Silva Peixoto
.
.
Por tardio não
peca.
Eu sou um trazedor
da peste grisalha cuja endemia o seu
partido se tem empenhado em expurgar, através do Ministério da Saúde e outros
“valorosos” meios ao seu alcance, todavia algo tenho para lhe dizer.
A dimensão do
nome que o titula como cidadão deve ser inversamente proporcional à
inteligência – se ela existe – que o faz blaterar descarada e ostensivamente,
composições sonoras que irritam os tímpanos do mais recatado português.
Face às clavas
da revolta que me flagelam, era motivo para isso, no entanto, vou fazer o
possível para não atingir o cume da parvoíce que foi suplantado por si, como
deputado do PSD e afecto à governação, sr. Carlos Peixoto, quando ao defecar
que “a nossa pátria foi contaminada com
a já conhecida peste grisalha”, se esqueceu do papel higiénico para limpar o
estoma e de dois dedos de testa para aferir a sua inteligência.
A figura triste que fez, cuja imbecilidade latente o forçou à encenação de uma triste figura, certamente que para além de pouca educação e civismo que demonstrou, deve ter ciliciado bem as partes mais sensíveis de muitos portugueses, inclusivamente aqueles que deram origem à sua existência – se é que os conhece. Já me apraz pensar, caro sr., que também haja granjeado, porém à custa da peste grisalha, um oco canudo, segundo os cânones do método bolonhês. Só pode ter sido isso.
Ainda estou
para saber como é que um homolitus de
tão refinado calibre conseguiu entrar no círculo governativo. Os “intelectuais”
que o escolheram deviam andar atrapalhados no meio do deserto onde o sol torra,
a sede aperta a miragem engana e até um dromedário parece gente.
É por isso que
este país anda em crónica claudicação e por este andar, não tarda muito, ficará
entrevado.
Sabe sr.
Carlos Peixoto, quando uma pessoa que se preze está em posição cimeira, deve pensar,
medir e pesar muito bem a massa específica das “sentenças”, ou dos grunhidos, -
segundo a capacidade genética e intelectual de cada um - que vai bolçar cá para
fora. É que, milhares pessoas de apurados sentidos não apreciam o cheiro
pestilento do vomitado, como o sr. também sente um asco sem sentido e doentio,
à peste grisalha. Pode estar errado,
mas está no seu direito… ainda que torto.
Pela parte que
me toca, essa maleita não o deve molestar muito, porque já sou portador de uma
tonsura bastante avantajada, no entanto, para que o sr. não venha a sofrer dessa
moléstia, é meu desejo que não chegue a ser contaminado pelo vírus da peste grisalha e vá andando antes de
atingir esse limite e ficar sujeito a ouvir bacoradas iguais ou de carácter
mais acintoso do que aquelas que preteritamente narrou como um “grande”, porém
falhado “artista”.
E mais devo
dizer-lhe: quando num cesto de maçãs uma está podre, essa deve ser banida,
quando não, infecta as restantes; se isso não suceder, creio que o partido de
que faz parte, o PSD, irá por certo
sofrer graves consequências decorrentes da peste
grisalha na época da colheita eleitoral. Pode contar comigo para a poda.
Atentamente.
António
Figueiredo e Silva
Coimbra,
28/04/2013
.
www.antoniofigueiredo.pt.vu
Obs:Esta carta vai ser enviada sob A.R.
para
a Assembleia da República.
.
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