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IN "NOTÍCIAS MAGAZINE"
15/05/016
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Põe aqui o teu pezinho,
ó turistazinho…
O desafio da democratização das viagens e do turismo, em Lisboa e nos Açores. Como aproveitá-la sem estragar nada.
Quando tinha 19 anos anos escrevi uma crónica para o Diário de Notícias
sobre turismo. Estava integrada num suplemento de verão, desses com que
os jornais têm de encher as páginas sem publicidade – mas muita leitura
de veraneantes ociosos. Toda a gente da redação escreveu sobre a sua
terra, e eu escrevi sobre aquela que é a minha, por afinidade, os
Açores.
Nesse artigo, e na altivez da minha juventude, eu vociferava contra
os turistas que começavam a chegar às ilhas. Eu, que os encontrava nos
aeroportos e aviões, nas idas e vindas para visitar a minha família,
irritava-me com as manifestações do que interpretava como uma falta de
compreensão da alma açoriana.
Dizia que eles não compreendiam nada. Não
percebiam o nevoeiro, a chuva miudinha, a beleza que eu queria
imaculada. O fechamento, a nostalgia, as lágrimas que eram uma constante
de quem vivia a duas horas e muitos euros (nessa altura eram escudos)
de distância de tudo o resto. Quer do lado de cá, do continente, quer do
lado de lá, da América. Imigrantes, emigrantes, migrantes, os açorianos
eram gente com lágrimas. Feliz ou não.
A distância e o preço das passagens para os Açores fizeram perdurar
esta sensação durante muito tempo. E, até ao ano passado, os aeroportos
açorianos mantiveram esta pátina de tristeza, de saudade, de lonjura. E,
até, de um certo distanciamento. Viajava quem podia ou quem tinha mesmo
de o fazer. Viajava quem vinha ao médico a Lisboa. Ou para estudar, de
mochila cheia de recordações e geleiras de comida preparada pela
família. Ou, então, quem estava acostumado a esta ponte aérea, pessoas
já habituadas a férias e que não faziam disso uma festa.
No último ano, algo mudou. Os aeroportos açorianos transformaram-se
em algo diferente. Dantes eram soturnos, agora são… apetecia-me dizer
uma festa, mas a verdade é que não chega a tanto. Estão borbulhantes,
vivos. Com gente que fala alto – e às vezes não é muito bem-educada nem
muito polida – mas se percebe estar feliz.
Com a chegada das low-cost aos Açores, aconteceram duas
coisas, nos dois fluxos. Gente nova a viajar. Sai das ilhas quem nunca
esperou fazê-lo. Gente que, embora viva no meio do mar, raramente andou
de avião. Que nunca esperou ter o continente ali de forma tão acessível.
E isso nota-se na alegria do embarque ou nas filas para o controlo das
bagagens.
E chegou às ilhas um novo tipo de turistas. Gente que ainda vê como
um privilégio viajar. Que nunca fez turismo, agora faz porque as viagens
se tornaram acessíveis, e que entende isso como uma benesse. Que diria
eu, aos 19 anos, deste novo turismo que chega aos Açores sem
salamaleques? E que, apesar disso, está disponível para perceber toda a
beleza, toda a idiossincrasia destas ilhas de penumbra? Que os aproveita
como o paraíso que são? Estaria eu disponível, como estou hoje, para
partilhar isso tudo?
Lembrei-me disto a propósito da polémica que corre sobre a questão do
turismo a mais em Lisboa – que faz tema da secção «Opostos». Lisboa tem
tudo a ganhar em abrir-se a quem vem de fora, em democratizar aquilo
que tem para oferecer – e sobretudo, em manter aquilo que a torna
diferente, que é, no fundo, aquilo por que os turistas a visitam e o que
procuram. Tal como os Açores. Quem entender isto terá ganho a batalha
da democratização do turismo. Quem não o levar à prática ficará
estragado para sempre.
IN "NOTÍCIAS MAGAZINE"
15/05/016
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