O coro das reformas douradas
A vida está difícil para todos, embora todos saibamos quanto é falsa a
afirmação de que todos vivemos muito acima das nossas possibilidades. Ou
seja: que todos tenhamos gasto muito para além do dinheiro de que
dispúnhamos. Torna-se, por isso, insuportável ouvir o coro daqueles que
se queixam dos cortes nas suas reformas douradas.
O coro das reformas douradas ouve-se muito para além da sua
dimensão porque congrega pessoas que passam bem nos meios de comunicação
social, em particular nas televisões, por serem conhecidas e
reconhecidas como guias de opinião. E ainda porque acrescentam a esses
dotes a circunstância de pertencerem aos meios sociais em que assenta a
base de apoio do atual Governo.
Neste coro distinguem-se as vozes
de alguns barões da linha elitista e liberal do PSD urbano, de alguns
democratas cristãos da linha olha para o que eu digo mas não olhes para o
que eu faço e até, imagine-se, um dos pais do regime. Pondo de parte um
ou outro caso de verdadeiro totoloto, como, por exemplo, uma pensão
vitalícia por um curtíssimo semestre de trabalho no Banco de Portugal,
acredito que cada um terá certamente razões de queixa, a principiar
pela mais simples de todas: se beneficia de uma dessas reformas douradas
foi porque a contratou com o Estado social que temos -- ou tínhamos.
Porém,
o capital de queixa deste coro não pode sobrepor-se ao dos outros
reformados e pensionistas que, esses sim, sofreram cortes implicando
novos e muito mais baixos padrões de vida ou até a queda para a
fronteira da pobreza.
O coro das reformas douradas pode dar muito
jeito ao circo mediático e até dar a sugestão aos mais incautos de que
pode ajudar a construir uma alternativa política. Por mim, não esperaria
que daí viesse a solução dos meus problemas. Não me parece que
privilegiados do tempo das vacas gordas, possam transformar-se em bons
samaritanos deste tempo de vacas magras e magríssimas.
A
segurança mínima de vida decente - alimentação, habitação, saúde,
transporte - para quem atinge a Terceira Idade deve ser um património
inamovível. Que terá de caber em todos os redesenhos que possam vir a
ser apresentados em prol da sustentabilidade conjugada dos sistemas
fiscal e de segurança social.
Num quadro tão grave de cortes
sociais, o coro das reformas douradas acaba por ser sobretudo a
expressão de egoísmos com pretensões de legitimidade política. Os outros
pensionistas e reformados cujas vidas se desqualificaram com impacto
devastador em si próprios, nas famílias e nas empresas cujos produtos
consumiam, esses têm pouco palco no "prime time" da TV. Embora já tenham
criado, a partir de Coimbra, uma associação com um nome que diz
tudo: APRE.
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
01/12/12
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1 comentário:
Não percebi. Qual é a definição de reforma dourada? Eu descontei e tenho uma reforma em conformidade que não é má mas diminui constantemente. Só não sei se se pode chamar dourada. E podia ser mais claro sobre a APRE?
Sei que muitos têm reforma muito inferior à minha. Devo por isso apoiar o Gaspar?
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