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Afegãos esquecidos
Ao abrir o Foro La Toja deste ano com a entrega de um prémio a uma associação de mulheres afegãs, o rei de Espanha, Felipe VI, ajuda a que não seja esquecido o drama do Afeganistão, país que há dois anos os talibãs conseguiram reconquistar, aproveitando a retirada das tropas americanas e dos países aliados, e também o colapso do governo eleito que durante duas décadas o Ocidente apoiou. As mulheres têm sido as principais vítimas do regresso dos chamados "estudantes de religião", uma milícia que defende como sempre um islão obscurantista, mesmo que agora procurem atenuar as leis que entre 1994 e 2001 os puseram às avessas com o mundo, até serem derrubados pela América por represália a acolherem Osama bin Laden, o responsável pelos atentados do 11 de Setembro.
Reunião anual de altas figuras dos negócios e da política, realizada na Galiza, o Foro La Toja pode ser um palco improvável para alertar para as limitações aos direitos das mulheres num país da Ásia Central, mas, de facto, toda a chamada de atenção é bem-vinda para que o Afeganistão não caia no esquecimento. O acesso à educação e a um emprego continua extremamente difícil para as afegãs e só persistente pressão internacional sobre os governantes de Cabul pode contrariar a sua ideologia que remete tanto para um islão de outras eras como, talvez mais ainda, para uma tradição tribal pastune que não faz sentido no século XXI.
A guerra na Ucrânia, pelo choque que trouxe entre o Ocidente e o Kremlin, tem ofuscado todos os outros conflitos, incluindo este regresso ao passado no Afeganistão que aconteceu em agosto de 2021, apenas seis meses antes da invasão russa. Mas as raras notícias que chegam do Afeganistão não são boas. Mesmo uma recente reportagem da Xinhua sobre a época das romãs, mostrando uma certa normalidade, era ilustrada por nove fotografias em que era óbvia a ausência de mulheres. Mais dramáticas, e reveladoras, são as notícias na BBC de jovens afegãs proibidas de aceitar bolsas de estudo no estrangeiro e as mulheres em geral impedidas de frequentarem um parque natural no norte do país. E completamente trágico para todos os afegãos, homens e mulheres, é a ameaça de "mais um inverno de fome" revelada ontem pela Deutsche Welle, com 15 milhões de pessoas afetadas, quase um terço da população.
As agências das Nações Unidas, como o Programa Alimentar Mundial, debatem-se com falta de fundos, como se o mundo se tivesse esquecido do Afeganistão depois de décadas desse país a fazer as manchetes dos jornais, da intervenção soviética à luta entre grupos mujaedines, da ascensão dos talibãs sob a liderança do mullah Omar ao ataque americano às bases da Al-Qaeda, das eleições livres aos programas televisivos apresentados por mulheres sem burca. Ainda não há muito tempo, se combatia no Afeganistão em nome da democracia e dos direitos humanos. Dois militares portugueses morreram lá. Para quê? Foi tudo em vão? Ou ainda há vontade de lutar para que as meninas afegãs possam ir à escola? E um dia algumas serem professoras, engenheiras ou médicas.
* Jornalista, sub-director do "DN"
IN "DIÁRIO DE NOTICIAS" - 29/09/23.
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