03/04/2023

INÊS DE SOUSA REAL

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O brilharete do défice
e o desacerto de contas
com os portugueses

Seria importante também que, para combater tendências especulativas que mereceram diversas ações inspetivas pela ASAE, que resultaram em mais de 50 processos-crime, seja aprovado no Parlamento uma iniciativa que  reforce os deveres de informação das empresas do setor alimentar à Autoridade da Concorrência e traga mais transparência para os consumidores.

Na semana passada, o Governo veio orgulhosamente anunciar mais um “brilharete” nas contas públicas, com um défice que caiu para 0,4% do PIB em 2022, que permitiu uma folga de 3,5 mil milhões face ao orçamentado, dos quais 2,5 mil milhões vão agora ser aplicados em medidas adicionais de apoio à economia. Mas para muitos as medidas ora anunciadas tanto pecam por tardio como por insuficientes, para fazer face à situação de asfixia em que muitas famílias se encontram depois de uma escalada da inflação e dos encargos com a habitação.

Desde que começou a guerra na Ucrânia, o valor do cabaz de bens alimentares aumentou consecutivamente, culminando no dia 9 de março com o valor mais elevado de sempre, quase 26% acima do verificado a 5 de janeiro de 2022. Só no passado dia 22 é que se registou uma ligeira descida do mesmo, na ordem dos 3,7%, longe ainda, porém, dos preços praticados anteriormente ao conflito na Ucrânia. 

Infelizmente, logo após a invasão da Rússia de Putin foi possível antecipar esta tendência e, por isso mesmo, logo nas negociações para o Orçamento do Estado para 2022 (OE), propusemos o IVA zero para o cabaz essencial, proposta rejeitada pelo PS e pelo BE, com a abstenção do PSD, PCP e IL. Na semana de 23 a 30 de novembro, altura da aprovação do OE para 2023, o cabaz de alimentos já havia aumentado 19,39% desde a véspera do início da guerra. Aliás, só nessa semana um conjunto de 63 bens subiu 3,05%. E a taxa de inflação tinha chegado aos 9,9%, depois de um pico de 10,1% em outubro. Mas nem assim o rolo compressor da maioria absoluta cedeu e a nossa nova proposta de IVA zero para os alimentos essenciais foi novamente rejeitada com o voto contra do PS e a abstenção do PSD, BE e PCP. Em paralelo, as famílias com crédito à habitação debatiam-se também com nova subida das taxas de juro Euribor.

A nosso entender seria importante também que, para combater tendências especulativas que mereceram diversas ações inspetivas pela ASAE, que resultaram em mais de 50 processos-crime, seja aprovado no Parlamento uma iniciativa que  reforce os deveres de informação das empresas do setor alimentar à Autoridade da Concorrência e traga mais transparência para os consumidores.

O Governo, em resposta, tem vindo a acenar com medidas avulsas, tardias e, por conseguinte, desajustadas às reais necessidades de contexto das famílias, com a agravante de, ao abranger - e bem - as famílias mais carenciadas, estar a contribuir para o empobrecimento da classe média, criando um problema que, a prazo, terá impactos socioeconómicos imprevisíveis.

De facto, tememos que, encandeado pelo brilharete das contas públicas e pela ilusão de achar que assim está a acertar contas com os portugueses, o que o Governo esteja realmente a fazer é a criar um país que já não é para os idosos que com as suas parcas pensões são lançados em lares sem condições, mas que também já não é para os jovens que não conseguem pagar um quarto enquanto estudam quanto mais aspirar a constituir família e ter casa própria. Um país que é também cada vez menos para a classe média, que luta contra a asfixia resultante desta crise habitacional e inflacionária, sem terem um Governo que, mesmo com uma maioria absoluta, não lança verdadeiramente a mão para aliviar as famílias.

Porta-voz e deputada única do PAN

IN "iN - 29/03/23.

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