25/03/2023

LÍGIA SIMÕES

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O navio Mondego meteu água
A Marinha e o Governo também

Um coro de vozes relevantes já considerou que a repreensão do almirante Gouveia e Melo em público aos 13 militares que recusaram embarcar no Navio Patrulha Mondego, para cumprir uma missão da Marinha, foi “excessiva” e “humilhante”. Não é aceitável que um comandante militar, perante um caso de insubordinação, faça uma espécie de comício num barco, convidando a televisão, a rádio e os jornais. O chefe do Estado-Maior da Armada parece esquecer que os elogios se fazem em público as repreensões em privado, fazendo valer o princípio que diz que são inocentes até prova em contrário.

Ninguém obsta que a reação à gravidade da indisciplina tem de ser eficaz, o que não iliba o “estado péssimo” da embarcação e a culpa de desinvestimento do Estado. Segundo os 13 militares em questão, entrava água no navio-patrulha Mondego e um motor e um gerador de energia elétrica estavam inoperacionais. O ramo confirmou, aliás, que o NRP Mondego estava com “uma avaria num dos motores”, mas referiu que a missão que ia desempenhar era “de curta duração e próxima da costa, com boas condições meteo-oceanográficas” - marinheiros dizem que as previsões meteorológicas “apontavam para ondulação de 2,5 a 3 metros”.

No que se refere às limitações técnicas, a Marinha referiu que os navios de guerra “podem operar em modo bastante degradado sem impacto na segurança”, uma vez que têm “sistemas muito complexos e muito redundantes”, e sustenta que o navio Mondego estava em “condições de partir” para o mar. Mas a defesa dos 13 militares alega que “há indícios de prova que foram apagados” e que a inspeção foi feita pela Marinha, sem a presença de quaisquer outras entidades, e com base nisso se “começaram a fazer reparações a bordo do navio”, sinalizando que vão ser requeridas diligências de prova.

O raspanete de Gouveia e Melo de dedo em riste, num julgamento em praça pública e atribuindo alguns aspectos desse incidente a uma espécie de conspiração política contra ele, acabou por ferir de morte um processo disciplinar em que nenhum oficial da Marinha se vai atrever a contrariar as conclusões que o almirante já avançou. Mais. Não ajuda no processo de avaliação de insuficiência de meios na Marinha, um problema crónico nas Forças Armadas (FA) que levanta a questão: reforma ou revolução?

A crise que se vive nas FA não tem (nem pode ter) a força da rua, da manifestação ou do protesto, mas isso não invalida que seja menos merecedora de iniciativa política. Oposição apela, por isso, a maior investimento militar com alertas sobre polémica na Marinha que mais não é do que o corolário de anos de subinvestimento nas FA, tal como noutras áreas desde a crise na habitação, passando pelas urgências do SNS e educação, até aos transportes públicos. Gouveia e Melo aludiu à necessidade de alterar esse “estado de coisas”. E o Executivo reagiu à controvérsia, publicando uma resolução em que autoriza 39 milhões de euros para a manutenção dos navios da Marinha.

É responsabilidade política e do Estado de direito conferir estabilidade e dignidade às FA em que o país se reveja com orgulho.

* Subdirectora do "O JORNAL ECONÓMICO"

IN "NOVO" - 25/03/23.

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