16/02/2023

BEBIANA CUNHA

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Demasiadas vozes no
silêncio prescreveram

A comissão para o estudo de abusos sexuais na Igreja revelou que as 512 vítimas diretas "põem-nos no encalço de, pelo menos, outras 4300 vítimas e, se pensarmos que os abusos aconteciam, na esmagadora maioria dos casos, muito mais do que uma vez sobre a mesma criança, levam-nos a muitos milhares de abusos praticados".

Os abusos ocorreram em confessionários, sacristias, seminários, colégios internos, instituições de acolhimento de crianças, colégios católicos, casas paroquiais, carros dos sacerdotes... No relatório é explicado que os abusos não tiveram consequências devido à forma como os próprios contextos se organizavam, da normalização, do "fechar de olhos" e de se considerar que as crianças tinham poucos ou nenhuns direitos.

As palavras que se impõem são gritos de revolta por uma Igreja que encobriu algo que só pode ser veementemente condenado. Falamos de pessoas frágeis, menos protegidas e vulneráveis, num contexto que permitiu ao abusador agir. De todos os casos, poucos são os que não prescreveram e seguiram para o Ministério Público (25) e, segundo a comissão responsável pelo trabalho ora divulgado, apenas "a justiça canónica pode ser a única forma de investigar e punir o agressor", nomeadamente os sacerdotes que ainda estarão no ativo.

Fica claro que, tendo em conta a idade a partir da qual as pessoas vítimas conseguem denunciar os crimes de que foram alvo, assim como a necessidade de tempo de reflexão sobre a denúncia, urge uma alteração ao artigo 118.o, n.oº 5, do Código Penal, aumentando para 30 anos (atualmente 23) a idade da pessoa abusada, para evitar a prescrição.

Fica também o alerta para a constituição do/a provedor/a da criança (e do jovem), enquanto entidade independente, autónoma, em articulação com a Provedoria de Justiça, que possa atuar especificamente na área da criança (e do jovem) e do respetivo contexto familiar.

Quanto à Igreja - que tem tido uma postura que leva à revitimização - face à lista de abusadores que terá em mãos, resta saber se continuará a impedir a responsabilização de abusadores e o restabelecimento de alguma justiça às vítimas.

* Dirigente do PAN

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS" - 16/02/23.

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