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Da maturidade
da nossa democracia
Os portugueses interiorizaram a ideia de que as soluções governativas podem formar-se através de uma maior plasticidade de soluções parlamentares
Regresso ao tema da minha última crónica. Todas as sondagens conhecidas até à data apontam para um cenário de ingovernabilidade, o tal “berbicacho” que o Presidente da República introduziu recentemente no léxico político. A perspetiva não surpreende. Há vários anos que vivemos num quadro de progressiva fragmentação do nosso sistema partidário. PAN, Iniciativa Liberal e Chega são apenas os mais recentes exemplos de uma tendência, que vem de trás e que se aprofundará, para o aparecimento de partidos monotemáticos ou ideologicamente muito segmentados que respondem aos anseios (e a algum “ennui” neurótico) de um eleitorado cada vez mais desencantado com os grandes “catch all parties” do regime. A isto acresce que a Geringonça lançou o regime na direção de uma irreversível parlamentarização. Ao quebrar os muros à esquerda, Costa quebrou, na verdade, muito mais tabus. Os portugueses deram-se conta de que do Parlamento podem emanar as mais criativas soluções de governo, incluindo as que deixam de fora do governo os partidos mais votados. Ou seja, os portugueses interiorizaram a ideia de que as soluções governativas podem formar-se através de uma maior plasticidade de soluções parlamentares, constatação que funciona como um óbvio desincentivo ao voto útil e, consequentemente, como um acelerador da referida tendência de fragmentação que já vinha de trás.
Desta tendência não tem de vir, em boa verdade, grande mal ao mundo. É este o modo de vida de boa parte dos regimes ocidentais. Mas falta, para que o caos não se instale, que os partidos façam agora a sua parte. Um regime de base parlamentar com um quadro partidário fragmentado só pode gerar soluções de governabilidade minimamente substantiva com uma institucionalização de coligações. Só uma cultura de muito maior compromisso, negociação e formalização de acordos (dos mais clássicos aos mais criativos) pode abrir caminho a projetos de governação minimamente estáveis e que podem almejar ir além do mero taticismo inerente às soluções de governo assentes em acordos pontuais, lei a lei ou orçamento a orçamento.
Insisto neste último ponto. A ambição tem de ir além da simples governabilidade. É bem verdade que, em tese, um primeiro-ministro hábil (como tem sido António Costa) pode conseguir resistir durante o espaço de uma legislatura, com recurso a negociações pontuais, à esquerda e à direita, seja de leis em concreto, seja de orçamentos. Essa parece ser, aliás, a fazer fé nalguma imprensa, a doutrina vigente no Largo do Rato. Essa parece ser uma solução que não desagrada ao Presidente da República, que, esta semana, veio insistir na dispensabilidade de acordos escritos. Estão ambos, lamento, redondamente enganados. O que propõem, na prática, equivale à condenação de qualquer tipo de projeto minimamente coerente ou reformador, à esquerda ou à direita. O que propõem é um modelo em que se sacrifica a consistência de uma visão ou de um projeto políticos à mera sobrevivência de um governo. Ora, convém, apesar de tudo, lembrar que os governos não se querem para, meramente, existir.
A nossa democracia vai fazer 50 anos. Uma bonita idade para dar sinais de maturidade.
* Jornalista, analista político
IN "VISÃO" 18/11/21
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