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O direito à indiferença
Quando eu era aluno assíduo da Universidade sita no café Majestic, estava na moda uma graçola sobre a homossexualidade. Rezava assim - "antigamente era proibida, agora é aceite, ainda se torna obrigatória!".
Hoje em dia escuto uma sua variação, que junta mulheres e homossexuais - "os homens - e os heterossexuais - estão em vias de extinção ou de se tornarem uma espécie protegida". Por trás do sarcasmo amedrontado esconde-se a dúvida - o que faria o Outro se tivesse mais poder?
As frases ocorreram-me a propósito de declarações em 2010 do agora presidente do Tribunal Constitucional. Citarei algumas linhas. "os homossexuais não são nenhuma vanguarda iluminada, nenhuma elite. Não estão destinados a crescer e a expandir-se até os heterossexuais serem, eles próprios, uma minoria. E nas sociedades democráticas são as minorias que são toleradas pela maioria - não o contrário."
Apoio a recusa de uma "idealização intelectual" dos homossexuais, há de tudo, como na botica: geniais, limitados, discretos, cintilantes, machistas, igualitários, etc. No fundo, a mesma diversidade encontrada nos heterossexuais, a orientação sexual não é o cimento que une um grupo monocórdico de pessoas.
Também não acredito que o destino dos heterossexuais seja tornarem-se uma minoria. Sorte a deles!, pois seriam "tolerados". E as aspas carregam a tristeza que oblíquo verbo me provoca, o dicionário é claro sobre a assimetria enfadada que traduz - "sofrer o que não deveríamos permitir ou o que não nos atrevemos a impedir". Pode alguém jurar respeito pela dignidade das pessoas, mas ao utilizar tal linguagem, ao menos inconscientemente, olha-as do alto da sua irrefutável "normalidade".
Também a dúvida assolou os homens perante a hipótese do voto feminino. Num artigo de 2016, no "Observador", Marta Leite Ferreira escrevia sobre cartazes alertando para os riscos de ceder às sufragistas. Respigo dois: mulheres agridem um agente da autoridade; um homem lava a roupa e cuida de uma criança, lamentando-se - "quero votar, mas a minha mulher não deixa". Mensagem: o voto implicaria a desordem social e a inversão da relação "natural" dos sexos.
Em ambas as situações o Outro é visto como ameaçador se obtiver um estatuto igualitário. E é definido por características que nada dizem quanto ao valor da Pessoa, o sexo e a orientação sexual. Fossem elas a cor da pele ou a religião, o erro e a injustiça seriam os mesmos.
Para quando o direito à indiferença? A que ignora o sofrimento alheio? Não, essa envergonha-nos! Outra. Que não transforma o acessório em essencial quando avaliamos um ser humano, recusando que a sobranceria da tolerância proíba a simplicidade fraterna da aceitação.
* Médico Psiquiatra
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS" - 20/02/21
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