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Se não agora, quando?
Milagres? Não há. Portugal chegou a dezembro de 2020 como um dos países que menos gastos extra fez na Saúde por causa da covid-19.
Admito um passado em que a expressão “requisição civil” causasse um arrepio em algumas epidermes mais liberais contra a ideia de que, em determinadas circunstâncias, os privados podem ser colocados ao serviço do bem comum. É verdade que não me recordo de ter visto a expressão desse preconceito quando a requisição civil foi aplicada aos motoristas de matérias perigosas para manter o fornecimento de combustível durante a greve de agosto de 2019, mas sobre isso também tirei as minhas conclusões. Todos temos direito a uma opinião de doutrina sobre a matéria, o erro é não ver que no presente não nos podemos dar ao luxo de arrepios ideológicos que protegem o negócio privado de saúde em prejuízo da saúde pública.
Se houve oportunidade no passado para dar outras cartas neste jogo? Sim. Olhando para a evolução de meios e recursos na Área Metropolitana de Lisboa, vemos que entre 2016 e 2018 o número de médicos no privado cresceu 128% no privado e apenas 4,8% no público. Entre os enfermeiros a diferença é mais pequena mas ainda assim representa um acréscimo de 54% no privado e 3,9% no público. As proporções são diferentes mas a tendência é a mesma em termos de Técnicos de Diagnóstico e Terapêutica, ressonâncias magnéticas e TAC: quanto mais cresce no privado, mais recua no público (ou vice-versa, a ordem dos fatores não é arbitrária).
O Orçamento para 2021 foi aprovado com uma verba orçamentada para o SNS €144M menor que o inscrito no Orçamento Suplementar, estagnação das transferências para o SNS e um reforço claramente insuficiente das despesas com pessoal. Infelizmente, o concurso lançado em dezembro para contratar médicos recém especialistas confirmou o que já sabíamos: um terço das vagas ficou por preencher. Nas áreas hospitalares e de saúde pública, dos 950 lugares, apenas 593 foram ocupados, o equivalente a 62,4%.
Milagres? Não há. Portugal chegou a dezembro de 2020 como um dos países que menos gastos extra fez na saúde por causa da covid-19. Segundo o relatório “Health at a Glance Europe 2020”, que contabiliza gastos em medidas como a aquisição de equipamentos médicos especializados e de proteção individual (EPI), ampliação da capacidade de testagem, contratação de trabalhadores adicionais e pagamentos de bónus, apoio a hospitais e contribuições para o desenvolvimento de vacinas, Portugal gastou 57 euros por pessoa, abaixo da média da União Europeia, de 112 euros.
Estamos no pico da terceira vaga da pandemia e ouvimos António Costa dizer que “o que importa não é o que o Governo proíbe” como forma de reforçar o apelo cívico ao comportamento individual responsável. Não está despossuído de razão, já sabemos o suficiente sobre o contágio da COVID-19 para nos protegermos a nós e aos outros: máscara, distanciamento físico, higiene e desinfecção permanentes.
Existe irresponsabilidade por aí, para o confirmar basta ver como André Ventura organizou um jantar com 170 pessoas em Braga mesmo sem autorização das autoridades de saúde. Mas há uma maioria que procura todos os dias fazer a sua vida cumprindo as regras com uma preocupação na cabeça: impedir que o SNS colapse.
Sabemos que a capacidade de resposta do SNS é limitada mas é precisamente por isso que a preparação da terceira vaga exigia um reforço de investimento. O investimento em saúde foi uma das prioridades nas reivindicações orçamentais do Bloco de Esquerda e uma das razões pelas quais não foi possível chegar a acordo com o Governo.
Estes números convocam a uma reflexão séria sobre o investimento que o país tem de fazer no SNS. Mas enquanto isso não é corrigido, há hospitais de campanha que não têm pessoal para funcionar.
Nos últimos dias temos assistido hospital atrás de hospital a admitir que está no limite, alguns, como o de Setúbal, decretaram o estado de catástrofe. A ministra da Saúde Marta Temido reconheceu que “Estamos a pôr todos os meios a funcionar em todos os sectores, mas há um limite. E estamos muito próximos do limite”. Uma afirmação que contrasta com a do primeiro-ministro de que “a requisição civil será se e quando necessário”.
O primeiro-ministro tem razão, não importa apenas o que o Governo proíbe, neste momento importa muito o que o Governo decide. Durante anos a falta de investimento deixou fugir recursos e profissionais do SNS para o privado. O mal está feito, agora é preciso ir buscá-los. A pergunta impõem-se: porque é que o Governo não decide a requisição civil para colocar a capacidade instalada no setor privado e social ao serviço do SNS? Se não é agora, quando é que será tarde demais?
*Deputada à A.R. pelo BE
IN "i" - 21/01/21
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