04/11/2020

CATARINA LUCAS

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Sozinho no Natal 

é que eu não fico! 

Depois de tudo isto, depois de uma Páscoa sozinhos, de um dia de Todos os Santos sem podermos encontrar quem gostamos ou conectarmo-nos às nossas memórias, será que assistiremos ao dia em que teremos que passar o Natal sozinhos?

Recentemente, em consulta, abordando o tema do momento (Covid-19), o meu cliente disse-me: “Sozinho no Natal é que eu não fico”. Esta nunca pareceu ter sido uma hipótese para qualquer um de nós, contudo, ela começa a ganhar forma e, à data de hoje, já não nos parece assim tão impossível.

Ao mesmo que tempo que vemos os números de infetados aumentar e tememos o pior, começamos a acusar o desgaste de um ano terrível, de um ano isolados, de um ano sem afetos, de um ano com sorrisos tapados, de um ano com menos contacto familiar ou de amizade.

Continuo a acreditar que o ser humano é um ser social (muito ou pouco) e que precisa de interação, de pessoas, de contacto, do estar com outro, de partilhar momentos com outras pessoas…

Partilhar é exatamente disto que se trata. A nossa vida ganha sentido quando a conseguimos partilhar com alguém, seja quem for esse alguém. Quando algo de bom nos acontece, tendencialmente corremos para contar a alguém, como se as coisas ganhassem relevância a partir do momento em que as partilhamos. Se conquistarmos um prémio, por exemplo, o seu sabor não nos é igual se guardarmos essa notícia só para nós. Aqui percebemos a importância da interação com o outro e a forma como dá significado à nossa vida.

Mas, temos sido tão privados disto…

Temos sido privados de conhecer pessoas, de fazer amigos na escola, daqueles que se tornam os amigos de infância. Temos sido privados de fazer amigos para a vida na faculdade, pois nem sequer nos deixam estar lá muito tempo. Temos sido privados de conhecer os colegas com quem trabalhamos, o nosso chefe e a nossa empresa. Começamos a perder o nosso local de trabalho, pois a nossa empresa viu nisto tudo uma forma de poupar dinheiro, abandonando o escritório e deixando os trabalhadores em casa, isolados, longe, sem se conhecerem pessoalmente, sem poderem partilhar. Conseguiremos assim criar vínculos? Temo que seja difícil.

Depois de tudo isto, depois de uma Páscoa sozinhos, de um dia de Todos os Santos sem podermos encontrar quem gostamos ou conectarmo-nos às nossas memórias, será que assistiremos ao dia em que teremos que passar o Natal sozinhos? A época da família por excelência? Há quem ache que podemos visitar cemitérios ou a família em qualquer momento. É verdade, mas não ignoremos a fé de cada um, as emoções que cada época ou momento desencadeiam. Talvez esse dia de Todos os Santos tenha algum significado particular para muitos de nós. Talvez o Natal aqueça o coração a muita gente… Sim, porque as datas também nos marcam e têm efeitos particulares em nós, mesmo que possamos repetir aquilo vezes infinitas no nosso dia-a-dia.

Quando ouvi aquela pessoa dizer aquilo percebo o quão dramático poderá ser se, efetivamente, tivermos que estar distantes dos nossos na época de Natal. Há quem viva sozinho no seu dia-a-dia, mas no Natal corra para junto dos seus. Teremos que ser privados dos nossos numa altura destas? Como será uma consoada sem sorrisos, sem a união da família ou sem as velhas tradições? Estranho tempo este em que vivemos.

Parece apenas uma data, mas significa muito para muita gente. Esta pessoa disse ainda: “nem que vá a nado, mas vou…”

* Psicóloga

IN "VISÃO" - 02/11/20

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