07/09/2020

DAVID BERNARDO

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A nova vida das funerárias

Estas start-ups, que já começam a ganhar dimensão (e fundos), inspiram-se nas experiências da Amazon ou Uber para simplificar o processo. E os serviços vão além das cerimónias fúnebres, desde a comparação de preços, testamentos, gestão da morte digital à tanatologia.

Se há um negócio do qual todos seremos clientes são os serviços funerários. No entanto, culturalmente, é um negócio complicado, visto por muitos com superstição já que falar da morte pode atraí-la, acreditam. Mas este setor com tantos clientes, mais do que a morte, tem atraído muitos fundos de private equity dada a sua rentabilidade. Parece que alguma luz está a iluminar o lado mais sombrio deste negócio, os comportamentos abusivos. E com isto novas oportunidades de negócio para empreendedores.

Esta pandemia trouxe à superfície um dos nossos medos mais profundos, a morte, e com ela tornaram-se visíveis vários escândalos das funerárias. Casos em Nova Iorque, em que estavam cadáveres em camiões à porta das agências, caixões que eram substituídos nas cremações e depois revendidos, entre muitas outras histórias macabras. É um momento sensível, para quem encomenda um funeral, em que se consegue convencer que gastar menos é um sinal de falta de respeito pelo falecido. Uma compra única num momento de dor emocional, em que as pessoas não fazem a pesquisa que fariam normalmente para aquisição de um serviço desse valor (que supera em média os 1.000 euros, mas pode chegar a mais de 10 mil). Muitas agências só enviam os valores já na hora de cobrar. A informação disponível é confusa e o processo é complicado, tanto a nível da cerimónia como a nível burocrático. Tudo isto faz a indústria propícia a abusos e não justificou a esperada transformação digital.

As agências funerárias, com um nível de digitalização muito baixo e serviços que não se adequam às novas gerações, que preferem procurar fornecedores no Google e ter um sítio ou aplicação onde escolher e tomar as decisões, foram por muito tempo a única opção. Mas várias empresas a nível internacional identificaram esta questão, e estão a tentar melhorar o processo e humanizar o setor.

Estas start-ups, que já começam a ganhar dimensão (e fundos), inspiram-se nas experiências da Amazon ou Uber para simplificar o processo. E os serviços vão além das cerimónias fúnebres, desde a comparação de preços, testamentos, gestão da morte digital (o que fazer com passwords, redes sociais, serviços contratados, etc.) à tanatologia. Este último em conjunto com grupos de apoio em redes sociais pode ter um papel fundamental no processo de luto. Apesar de ser um dos momentos mais traumáticos na vida de muitas pessoas, poucas ainda procuram ajuda psicológica profissional ou externa. Estas novas empresas (chamadas de funeral tech), ao desenvolver modelos de plataforma que ligam os vários fornecedores atuais, estão a trazer transparência e a criar facilidades ao mercado. E enquanto muitas empresas grandes não têm interesse nesta simplificação, por razões óbvias, pequenas agências funerárias têm uma oportunidade única para ganhar dimensão com qualidade e um nível de serviços competitivo. Podem apresentar os seus produtos a uma audiência maior, ter sítios de e-commerce, criar uma melhor relação com o cliente e vender serviços por adiantado. Porque não planear já algo inevitável e poupar o problema e custo à família?

Quem decidir atualizar-se e adaptar os serviços às necessidades reais dos clientes tem uma grande oportunidade no setor funerário e todos os setores-satélites. Esta transformação já é imparável e se tudo correr bem vai fazer o processo de luto menos difícil para muitas pessoas.

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
03/09/20
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