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IN "VISÃO"
06/07/20
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Dar liberdade ao futuro
É urgente perceber que a resiliência é um fator fundamental de competitividade
Se há coisa que fomos forçados a aprender com esta crise foi que a
Natureza pode condicionar, de forma brutal, o nosso futuro coletivo.
Falo naturalmente da tragédia sanitária que atingiu dez milhões de
pessoas e causou meio milhão de mortes. Mas falo também das
consequências económicas com a recessão mais abrupta da História, das
consequências sociais com o flagelo do desemprego à cabeça destas e das
consequências políticas que ainda estão largamente por definir, mas que
podem ser, para o bem ou para o mal, profundas e muitíssimo duradouras.
Nunca, na nossa História recente, tantos se terão sentido
simultaneamente tão impreparados e tão impotentes. Nunca, para tantos,
se terá suspendido tanto o futuro.
Para o mundo empresarial a lição a extrair é cristalina. Não
se trata, como alguns gostariam, de declarar o fim do capitalismo e da
globalização ou de advogar o decrescimento. O mercado continua a ser o
algoritmo mais eficaz para guiar a tomada de decisões empresariais. Mas,
isto dito, é preciso reconhecer que temos de alterar profundamente os
dados da equação, introduzindo variáveis e restrições novas nos modelos
decisórios. É urgente, por exemplo, perceber que a resiliência é um
fator fundamental de competitividade. Que as empresas têm de ser capazes
de antecipar os riscos associados às alterações globais da sociedade,
em particular às ligadas à ação da Natureza, tais como a crise climática
ou a escassez de recursos naturais. Mas é sobretudo imprescindível que
sejam capazes de fazer uma gestão rigorosa das relações entre o capital
natural e as suas atividades económicas e que, de uma vez por todas,
internalizem o valor da Natureza nos seus processos de tomada de
decisão.
Menos evidente será porventura fazer esta problematização no campo
das decisões políticas. Mas a verdade é que a nossa fundamental
dependência da Natureza, agora de novo flagrantemente exposta por via de
uma crise sanitária, devia obrigar-nos igualmente a refletir sobre a
legitimidade que temos para tomar decisões (ou para adiar decisões) que,
exaurindo recursos ou alterando equilíbrios naturais fundamentais,
produzam efeitos profundos e duradouros para além do nosso próprio
horizonte de vida. Dito de outra forma: qual a legitimidade política das
gerações presentes de condicionarem, por ação sobre a Natureza, o
futuro de gerações às quais nem sequer foi ainda dada uma voz?
O tema, absolutamente decisivo, não tem uma solução evidente. A
verdade é que as nossas instituições democráticas, em boa parte herdadas
do constitucionalismo de XVIII, não têm processos de legitimação
intergeracional. Até porque, obviamente, não podemos, nem poderemos
nunca, auscultar os que ainda não são.
Mas será o problema verdadeiramente insolúvel? Será verdadeiramente
absurdo dizer que, em nome dos que serão, poderemos limitar a ação e o
poder de decisão dos que, no futuro, já não serão? Uma única coisa
parece certa. A dimensão temporal terá, mais cedo ou mais tarde, de ser
enxertada no edifício demoliberal. De outra forma, agudizar-se-ão até à
insustentabilidade os problemas da sua legitimação política.
Na gestão como na política, importa, no fundo, dar liberdade ao futuro.
IN "VISÃO"
06/07/20
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