O reforço
que vai para o banco
O salvador pode aparecer de fininho, usando as portas entreabertas e o olhar de soslaio. Instala-se, mede o ambiente com o termómetro emocional, saca dos números e faz pela vida.
Há quem tenha feito algo semelhante há 35 anos, a rodar um Citroën em
Congresso. Da Figueira da Foz até ao banco do poder que lhe foi
entregue em longos e sucessivos anos, vai uma história que só acaba com o
arquivamento de todos os crimes que lhe poderiam ser imputados no
âmbito do principal inquérito à queda do BES. Cavaco Silva - então
presidente da República - e o Banco de Portugal (BdP) acabam ilibados
pelo Ministério Público e chega o momento de todos repetirmos
peremptoriamente, enquanto portugueses, que podíamos confiar no BES mas
não naqueles que nos diziam que podíamos confiar no BES. Elementar. A
saída do governador Carlos Costa do BdP, uma boa notícia que peca por
tardia, confirma a ideia de que é só uma questão de tempo. O optimismo
dos reguladores só encontra paralelo e verdadeira competição na suposta
ignorância de alguns responsáveis políticos.
É mesmo um caso em que o reforço vai para o banco. Substituir Carlos
Costa por Mário Centeno é uma história escrita que o PS quis fazer
render para caucionamento democrático. Como se perante uma porta
giratória se desligasse a energia. A porta existe, está lá mas, pese
embora imóvel, continua a ser uma porta giratória e continua a dar
entrada. É difícil entender como a indiscutível capacidade de Centeno
para o exercício do cargo pode secar toda e qualquer questão de ética
política relativamente à sua nomeação para governador do BdP. Mal da
democracia quando toda a ética política tem de ser vertida para leis e
não convocada a viver por si. A legalidade não esgota o estado
democrático.
Já tudo é diferente quando se trata de salvar a pele. Em queda nas
sondagens e com diferenças de dois dígitos em relação ao Joe Biden,
Donald Trump não se limita a ser bloqueado em redes sociais. Ele mesmo
bloqueia e devolve Brad Parscale ao banco das redes sociais que comandou
na eleição presidencial de 2016 e muda de director de campanha,
promovendo o até agora conselheiro político, Bill Stepien. A miragem de
um salvador é, agora, absoluta "realpolitik". No momento em que o Reino
Unido acusa a Rússia de tentativa de roubo dos estudos sobre vacinas
para a epidemia e de aquisição ilícita de documentos confidenciais, será
melhor usar e abusar de cautela. Até 3 de Novembro, o dia das eleições,
ou muda a direcção do vento ou só mesmo a descoberta de uma vacina
americana para a covid-19 pode inverter os acontecimentos, evitando a
previsível derrota republicana. Irónico como o destino político de um
presidente como Trump acaba por estar nas mãos da ciência
* Músico, advogado.
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
18/07/20
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