10/06/2020

PEDRO BACELAR DE VASCONCELOS

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Para onde vai a América?

1. Não é possível ficar impávido e sereno perante o assassínio, a sangue frio, de George Floyd. Não foi um ato de brutalidade policial fortuita.

Não se tratou de um caso de abuso da força num qualquer contexto emocional que autorizasse alguma condescendência. Não! George Floyd foi deliberadamente asfixiado por agentes de autoridade que permaneceram frios e indiferentes aos apelos desesperados de socorro que balbuciou durante 9 intermináveis minutos... até sufocar.
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O silêncio perante esta monstruosidade é obsceno. Os protestos que varreram as cidades dos Estados Unidos nestes últimos dias testemunham a indignação dos cidadãos americanos que não se resignam ao esmagamento dos valores da liberdade e da limitação do poder absoluto em que se fundou a legitimidade da Guerra da Independência contra a opressão colonial que, há mais de duzentos anos, marcou o princípio de uma nova era de respeito, de tolerância e de controlo dos titulares do poder.
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Infelizmente, esse ato tresloucado não se explica apenas pela crueldade extrema ou distúrbios patológicos dos seus autores. Ocorre, precisamente, no cenário propício de uma presidência que parece ter como objetivo programático o incentivo ao ódio e à violência.
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2. Tudo começou com a promessa de construir uma muralha na fronteira com o México para barrar a passagem aos imigrantes latino-americanos tratados como criminosos e utilizados como bode expiatório para todos os males que afligem o país. A seguir, foi a vez de proibir a entrada de muçulmanos em solo americano. Os militantes da supremacia branca que aterrorizaram judeus e afro-americanos em Charlottesville, na Virgínia, foram louvados como "gente muito fixe".
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Depois de tentar desvalorizar a gravidade da pandemia declarada pelas Nações Unidas, quando já não era mais possível escondê-la, passou a designa-la como o "vírus chinês". Mandou agora a polícia esvaziar uma rua para passear até à frente de uma igreja onde se fez fotografar com a Bíblia na mão. Por fim, ameaçou mobilizar os militares para reprimir a onda de protestos que se ergueu contra ele, contra o racismo e contra a violência policial. 
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Nas ruas, há polícias que se ajoelham para manifestar solidariedade com os manifestantes e até responsáveis policiais que se exasperam com a falta de decoro e a reiterada brutalidade das palavras do presidente.
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3. No palco internacional, destaque para os seus quatro amigos e admiradores incondicionais: Boris Johnson, do Reino Unido, Jair Bolsonaro, do Brasil, Rodrigo Duterte, das Filipinas, e Benjamin Nethanyau, de Israel. Afinal, para onde quer ele levar a América e os norte-americanos, o que pretende fazer de "a vida, a liberdade e a procura da felicidade" que prometia Thomas Jefferson na Declaração de Independência, em 1776?

*Deputado e professor de Direito Constitucional

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
04/06/20

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