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Esclerose lateral amiotrófica:
* Socióloga e investigadora bolseira
IN "PÚBLICO"
23/01/20
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Esclerose lateral amiotrófica:
morrer devagar cada dia, sem
direito a escolher uma boa morte
O diagnóstico de sobrevida, tal como a doença, é implacável: metade dos doentes têm uma esperança de vida a rondar os três anos; os restantes podem esperar viver entre cinco a dez anos. Peter Frates, que lançou o Ice Bucket Challenge, viveu sete anos.
A esclerose lateral amiotrófica (ELA) é uma doença inflamatória
degenerativa caracterizada por paralisia muscular progressiva e
irreversível. Como consequência, e simplificando, os músculos que
permitem realizar os mais variados movimentos vão ficando fracos até
ficarem inertes: os dos antebraços, ombros, membros inferiores, os que
permitem mastigar e engolir, falar e respirar. Ficámos a saber mais
sobre a ELA com Pete Frates, o homem que lançou ao mundo o desafio do
balde com água gelada (ou Ice Bucket Challenge como ficou conhecido), em que muitos de nós, e muitos dos que chamamos pelo epíteto de “famosos”, participaram.
O diagnóstico de sobrevida, tal como a doença, é implacável: metade dos
doentes têm uma esperança de vida a rondar os três anos; os restantes
podem esperar viver entre cinco a dez anos. Peter Frates viveu sete anos. Morreu em 2019.
Eu voltei a ouvir falar da doença quando um amigo, num dos almoços
que fazíamos para falar e rir das coisas da vida, me disse que tinha
sido diagnosticado com ELA. Na altura, há três anos e uns quantos meses,
só coxeava de uma das pernas. Hoje não mexe nenhuma delas, nem os
braços. Tem duas cuidadoras que se revezam durante o dia e sobra-lhe a
autonomia que a fala, apesar de arrastada, ainda lhe permite. Em breve,
só lhe restará o rodar dos olhos para comunicar com o mundo. E, depois,
nada.
Quando conversámos sobre como resolveria esse futuro, que se
vislumbrava de sofrimento, sem autonomia e sem esperança, disse-me, com
aquele misto de humildade e determinação que o caracteriza, que nessa
espera ia tentar fechar as gavetas da vida que ainda estavam abertas.
Pensei se isto me serviria estando em iguais circunstâncias. E concluí
que não. Que gostaria de ter o direito de decidir quando morrer, fosse o
direito a uma morte medicamente assistida ou à eutanásia — do grego euthanasía, que significa, justamente, morte sem sofrimento, sendo que as diferenças entre ambas foram assinaladas aqui e aqui.
Essa opção, de escolher morrer, não será para ninguém leviana, nem tão
pouco pode ser ajuizada como sendo a de uma saída fácil, ou só a dos
desprovidos de fé. Não há, de um lado, o grupo dos que aceitam viver com
a sorte da agonia que lhes calhou e, do outro, o grupo dos que
desperdiçam o bem que é a vida. Não se opõe à existência de cuidados
paliativos, nem ao trabalho de associações como a APELA. Mas deve opor-se não só à vantagem dos que se podem deslocar à Suíça para morrer com a ajuda da Dignitas, mas, também, ao preconceito e ao moralismo.
Em 2018 foram apresentados pelo BE, PAN, PEV e PS quatro projectos de
lei sobre a morte medicamente assistida que, em comum, propunham a
despenalização dos profissionais de saúde que acedessem, ou
facilitassem, a administração do fármaco letal. Os quatro projectos de lei foram chumbados. PS, BE e PAN
voltaram a apresentar novos projectos de lei. Adicionalmente, dois dos
novos partidos que conseguiram assento parlamentar nesta legislatura, a Iniciativa Liberal e o LIVRE, têm o tema inscrito nos seus programas.
Espero que a Assembleia da República volte, como se noticiou, a debater e a decidir pela liberdade de cada um escolher, em consciência e com escrutínio, o seu destino.
Estive com o meu amigo esta semana. Disse-me que já tinha conseguido
fechar as tais gavetas. Resta-lhe, agora, uma espera dolorosa. Tinha
como lema “as coisas valem pelo que custam”. Lema esse que a vida se
encarregou de levar, sem compaixão, à letra.
* Socióloga e investigadora bolseira
IN "PÚBLICO"
23/01/20
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