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Transferência serve para “acalmar os ânimos”
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HOJE NO
"OBSERVADOR"
Juiz Neto de Moura deixa de julgar
casos de violência doméstica.
Tribunal quer preservar “confiança
dos cidadãos” na Justiça
Neto de Moura vai deixar de julgar casos de violência doméstica. Juiz foi transferido para uma secção cível porque o presidente do tribunal quer preservar "confiança dos cidadãos" na Justiça.
O juiz Neto de Moura vai deixar de analisar casos de
violência doméstica. A notícia foi avançada pelo jornal Público e
confirmada pelo Conselho Superior da Magistratura ao Observador.
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O
juiz polémico foi transferido para uma secção cível do Tribunal da
Relação do Porto, onde exercia funções. A decisão foi tomada pelo
presidente do Tribunal da Relação do Porto, Nuno Ataíde das Neves, e
aceite por Neto de Moura.
Há três critérios que podem justificar a transferência de um juiz
entre secções de um tribunal: a conveniência de serviço; a
especialização do juiz; ou a preferência do próprio.
Segundo sabe o
Observador, o motivo para a transferência de Neto de Moura foi a
conveniência de serviço. Ou seja, não esteve em causa a preferência
particular de Neto de Moura, ainda que depois de uma reunião com o
presidente do Tribunal da Relação o juiz tenha aceitado a decisão.
No despacho do presidente do Tribunal da Relação do Porto no qual é
comunicada a mudança de secção, a que o Observador teve acesso, lê-se:
“Considerando aqueles critérios, assume-se com especial relevância o da
conveniência de serviço, em ordem à preservação da confiança dos
cidadãos no sistema de justiça”.
“Assim, por manifesta
conveniência de serviço, determina-se que o Senhor Desembargador Joaquim
Neto de Moura deixe de integrar a 1ª Secção (1ª Secção Criminal) deste
Tribunal da Relação do Porto, passando a integrar a 5ª Secção (3ª
Secção Cível) desta mesma Relação, medida que obteve a concordância do
Senhor Desembargador”, lê-se no documento.
Entretanto, em visita
oficial a Angola, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa,
também comentou a questão da violência doméstica e criticou Neto de Moura, de forma indireta e sem o nomear.
“É bom que haja leis que previnam e reprimam estes crimes, e que haja
instituições que o façam, mas a cultura cívica é muito importante.
Porque se a cultura dominante for, em setores-chave, uma cultura que
crie condições e que ache natural a violência doméstica, achando que é
tradição, que é uma realidade justificada, então não conseguiremos dar
passos significativos”, disse Marcelo Rebelo de Sousa.
Transferência serve para “acalmar os ânimos”
O presidente do Tribunal da Relação do Porto, Nuno Ataíde das Neves,
já veio explicar que a transferência do juiz foi “uma medida adequada
para acalmar os ânimos”. Em declarações ao Diário de Notícias, Ataíde das Neves explicou que, neste momento, o próprio sistema de justiça “estava a ficar em causa”.
“Perante
o avolumar de tensões sobre a atuação da justiça” e sobre a “pessoa do
sr. desembargador, ao Tribunal da Relação do Porto, aos tribunais e ao
sistema de justiça”, a decisão mais adequada foi a de transferir Neto de
Moura. “Pareceu-me que seria uma solução, perante tal dimensão das
polémicas.”
“Não é um remédio”, afirmou ainda Ataíde das Neves ao
Diário de Notícias, admitindo que é “um primeiro passo para apaziguar” o
sistema. “É a medida adequada para acalmar os ânimos” e serve para que
os cidadãos percebam que “há mecanismos” para garantir o funcionamento
da Justiça.
Neto de Moura diz que foi “miseravelmente enxovalhado”
Já depois de conhecida a decisão do tribunal do Porto, o juiz reagiu,
em declarações à TSF, afirmando que a transferência foi “consensual” e
que foi a única opção após ter sido “miseravelmente enxovalhado”.
“Depois
de ser miseravelmente enxovalhado, havia que fazer o possível por
preservar a instituição e a solução consensual foi esta”, disse Neto de
Moura.
O juiz desembargador do Porto tornou-se polémico depois de,
em outubro de 2017, ter sido conhecido um acórdão assinado por Neto de
Moura em 2014 no qual desculpava um agressor acusado de violência
doméstica assinalando que a mulher teria cometido adultério.
Na altura, Neto de Moura recorreu a citações da Bíblia para atenuar a
pena do agressor. “O adultério da mulher é um gravíssimo atentado à
honra e dignidade do homem”, escreveu Neto de Moura no acórdão.
“Na
Bíblia podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte”,
lia-se ainda no documento, onde Neto de Moura também citava o Código
Penal de 1886, que “punia com uma pena pouco mais do que simbólica o
homem que, achando sua mulher em adultério, nesse acto a matasse”.
O acórdão polémico resultou numa advertência por parte do Conselho Superior da Magistratura, já em fevereiro deste ano.
Depois
da notícia da advertência, foi conhecido um novo acórdão polémico de
Neto de Moura, desta feita com data de outubro de 2018. Nesse acórdão,
Neto de Moura mandou retirar a pulseira eletrónica a um homem que havia
sido condenado em primeira instância por ter agredido a mulher ao soco,
ao ponto de lhe perfurar um tímpano.
Em primeira instância, o
agressor foi condenado a três anos de pena suspensa de prisão e ao
pagamento de 2.500 euros à vítima. O condenado deveria ainda frequentar
um controlo de agressores, pena que deveria ser monitorizada com recurso
a pulseira eletrónica.
Neto de Moura avaliou um recurso do
condenado e decidiu retirar a utilização da pulseira eletrónica,
argumentando que o homem nunca mais tinha importunado a antiga
companheira. Neto de Moura reduziu ainda para um ano o período de
proibição de aproximação da vítima.
Mais recentemente, o juiz decidiu processar todos os jornalistas,
humoristas e políticos que criticaram Neto de Moura na sequência dos
acórdãos polémicos. Entre os visados nestes processos encontram-se figuras como Ricardo Araújo Pereira, Bruno Nogueira, Mariana Mortágua e Joana Amaral Dias.
Depois da ameaça dos processos, vários foram os que voltaram às críticas a Neto de Moura. Ricardo Araújo Pereira, por exemplo, voltou à carga
no seu programa da TVI “Gente que Não Sabe Estar”, onde apresentou um
videojogo intitulado “Salva o Neto”, onde os jogadores são convidados a
usarem o Conselho Superior da Magistratura para defender o juiz das
críticas da opinião pública.
“Acha que os juízes não ficam condicionados com tudo isto?”
Numa entrevista ao Observador esta segunda-feira — a primeira desde a
polémica —, Neto de Moura admitiu sentir-se “abatido” com toda a
situação.
“É evidente que eu não posso sentir-me bem. É evidente
que isto provoca mossa. É evidente que me sinto abatido. É evidente que
me sinto triste com toda esta situação e sinto-me indignado”, disse Neto
de Moura.
O juiz disse ainda que está condicionado nas decisões
futuras que pudesse vir a tomar em casos de violência doméstica. “Acha
que os juízes não ficam condicionados com tudo isto? Não ficam
condicionados nas suas decisões? Acha que não há, digamos, um
condicionamento, que os juízes não sentem receio com tudo isto? Eu acho
que qualquer pessoa admite isso, não é? Que efetivamente com tudo isto
os juízes não se sentem inteiramente livres para decidir”, afirmou o
juiz.
* Foi uma grande decisão a do sr. Presidente do Tribunal em transferir o polémico juiz para uma vara cível. Foi também uma grande chapada de luva branca ao dizer que pretendia preservar a "confiança dos cidadãos" na Justiça, impossível de manter,(frase nossa), com a manutenção do sr. Neto Moura numa secção crime. Tiramos o chapéu ao sr. Presidente do Tribunal.
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