HOJE NO
"OBSERVADOR"
Quanto mais tempo passar no mar, mais bactérias resistentes terá no intestino
Por enquanto, a investigação só foi feita no Reino Unido, mas o que se viu é que há mais bactérias resistentes nos intestinos dos surfistas do que dos banhistas regulares.
Surfistas e bodyboarders têm uma maior probabilidade de apresentarem
bactérias resistentes no intestino do que os banhistas regulares. A
explicação é simples: passam mais tempo no mar, logo engolem mais água. A
investigação agora publicada
na revista científica Environment International analisou as águas
costeiras do Reino Unido, mas o problema pode existir noutras partes do
mundo.
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Para o grupo estudado — 143 surfistas e 130 banhistas regulares — os investigadores concluíram que: os
surfistas tinham três vezes mais probabilidade de ser contaminados com
uma bactéria resistente a antibióticos de terceira linha do que os banhistas regulares. Os surfistas
também tinham quatro vezes mais probabilidades de serem contaminados
por bactérias portadoras de um gene que lhes confere resistência contra
múltiplos antibióticos do que os banhistas. A amostragem é
pequena e muito localizada, o que pode condicionar a interpretação dos
resultados, mas para os investigadores justifica que se dê mais atenção à
contaminação ambiental.
Para ser incluído no grupo dos surfistas estudados, era preciso
praticar desportos aquáticos desta categoria pelo menos três vezes por
mês. Os banhistas regulares tinham muito menos exposição às águas
costeiras.
A ideia dos autores não é fazer com que as pessoas
deixem de ir à praia ou deixem de praticar desportos aquáticos, mas
querem deixar um alerta de que “o risco de colonização por bactérias
resistentes a antibióticos associado à exposição a ambientes naturais
pode ser mais importante do que se julgava anteriormente”.
As bactérias resistentes e a água do mar
Para perceber se as águas do mar estavam realmente contaminadas, a
equipa de Anne F.C. Leonard, investigadora no Centro Europeu para a
Saúde Ambiental e Humana, na Universidade de Exeter (Reino Unido),
analisou a água de 97 praias na costa do Reino Unido: 15 praias tinham bactérias E. coli resistentes a antibióticos de terceira linha e 11 praias tinham bactérias E. coli portadoras de um gene que lhes confere resistência contra múltiplos antibióticos.
Se
as águas estão contaminadas, o que acontecerá a quem se banha ou
pratica atividades recreativas nelas? Dos 143 surfistas que fizeram
parte do estudo, 13 tinham bactérias resistentes ao antibiótico de
terceira linha — cefotaxima — e nove tinham bactérias portadores do gene
blaCTX-M. Já entre os 130 banhistas, quatro tinham bactérias resistentes à cefotaxima e dois bactérias com o referido gene.
“O
ambiente é importante”, afirma Carlos Palos, médico no Hospital Beatriz
Ângelo, em Loures. E dá um exemplo: “Os bebés recém-nascidos na Índia
ficam rapidamente colonizados com bactérias resistentes. A água, os
alimentos e os utensílios ficam colonizados e os intestinos são a nossa
principal fonte de colonização”.
Estar colonizado com bactérias resistentes não é o maior problema
Os surfistas, banhistas e demais cidadãos podem estar colonizados com
bactérias resistentes a antibióticos e não apresentarem quaisquer
sintomas. “Na maioria dos casos, as demais bactérias contêm as bactérias
resistentes e o equilíbrio mantém-se”, explica Carlos Palos. “Mas
existe uma maior propensão destas pessoas para, caso tomem antibióticos
ou caso fiquem gravemente doentes, terem infeções causadas por estas
bactérias resistentes, que entretanto ganham vantagem competitiva.”
Outro dos problemas é que as pessoas colonizadas são potenciais fontes de transmissão para outras pessoas, fazendo com que as formas de resistência sejam cada vez mais comuns na comunidade.
A bactéria E. coli e a resistência aos antibióticos
A bactéria analisada é uma das mais comuns no nosso organismo, a Escherichia coli. Esta bactéria é muito variável e tem muitas estirpes diferentes
que vão da bactéria totalmente inofensiva e até indispensável ao bom
funcionamento do nosso organismo, até à bactéria capaz de causar
infeções graves e dificilmente tratáveis com os antibióticos mais
poderosos. É a E. coli que aparece muitas vezes associada às infeções urinárias e é ela a causa mais comum de infeção no sangue.
Uma das formas mais comuns de ser infetado com estas bactérias é pela ingestão de água e alimentos contaminados,
daí que seja tão importante ter cuidado com o que bebe e come quando
está em viagem. Por isso é também um risco aderir à nova moda da “água crua“. Outras das formas de contaminação, cada vez mais comum, ocorre em ambiente hospitalar. Já a exposição em ambiente natural está ainda pouco estudada.
Como é que aparecem bactérias superresistentes na natureza?
Primeiro, através de formas naturais, porque faz parte da própria
evolução. Cada comunidade de bactérias pode produzir antibióticos que
inibem o crescimento de outras comunidades: as que conseguirem
sobreviver tornam-se mais resistentes. Segundo, pela introdução de
produtos antimicrobianos nos solos e linhas de água, seja pelo uso de
antibióticos na pecuária ou de pesticidas na agricultura. Os
microorganismos que não forem mortos por estes produtos, tornam-se
resistentes a eles. E para agravar estas situações, as bactérias
resistentes podem transferir os genes que lhes conferem resistência para
bactérias vizinhas — ou seja, não são só as células-filhas a herdar
esta capacidade.
* O médico e professor Pinto Coelho aconselha a misturar-se um litro de água de mar a cinco litros de água doce para baixar o Ph ácido desta última.
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