Não é amor.
Não é normal.
É violência!
Amar é respeitar: não é magoar, insultar, bater, desconfiar, diminuir, agredir, manipular e violentar
A
pancada é bruta, uma mão larga a aproximar-se violentamente da minha
cara. Seria essa a imagem a assombrar-me sempre que voltasse a pensar
nele. A dor, apesar de forte e aguda, não deixa de ser momentânea, e o
impacto em si revela-se ofuscado por tudo o resto. Sinto um ardor
desconfortavel a queimar-me a face esquerda, que muito em breve se irá
transformar numa escura combinação de cores. Em momentos destes, quando
tudo parece ocorrer em lentos segundos, são estranhos os pensamentos que
nos podem surgir. Pensei na maquilhagem que iria usar para o cobrir, na
desculpa que iria inventar para o justificar e questionei qual seria a
forma furiosa que o hematoma iria tomar desta vez.
“Sua
puta!”. Um grito acompanhado por um olhar frio e agressivo. Este tipo de
ferida é mais dificil de curar, atinge mais fundo. Lutei por segurar as
lágrimas que me queriam escorrer pela pele agredida, a dor interior a
tentar escapar, procurando unir-se com a expressão física do ataque a
que ele me está a submeter.
É a ultima vez, penso.
Acabou. Não posso permitir mais isto. Mas...eu amo-o e ele ama-me. É só
por isso que reage assim. São ciúmes, é amor. Nunca vou encontrar alguém
que goste tanto de mim. E ele pede desculpa. É normal, cenas destas
acontecem em relações. Certo?
A minha questão fica por
responder, mais um golpe deixa-me estendida no chão. As minhas pernas
imóveis e à mostra. Porque “usei uma saia demasiado curta”. E, no fim,
isso facilitou-lhe o acesso que eu não permiti. Mais um abuso do meu
corpo, mais um desrespeito...mais um ataque que eu não sei combater.
Esta
cena representa o culminar de uma situação que é, infelizmente, mais
comum do que muitos podem pensar. Mas não é assim que tudo começa.
Primeiro, um predador tem que encurralar a sua vítima, usando um tipo de
abuso mais subtil.
Existem diversas maneiras de se desrespeitar,
de se violentar um parceiro. A violência psicológica é uma das mais
perigosas. Enquanto que em muitos casos, como no anterior, este
comportamento se pode inevitávelmente manifestar em agressão física, não
é só este tipo de comportamento que caracteriza uma relação abusiva.
Durante
a fase inicial é tudo bem diferente, és atingido com uma alta dose de
amor, carinho e um exacerbado interesse na tua vida. Só algum tempo
depois, começam as sugestões “inocentes”, que na realidade não são mais
do que uma tentativa de controlo. Comentários desagradáveis sobre as
tuas amizades, rotinas, hábitos e interesses, seguidos mais tarde de
insultos e ciúmes absurdos. É importante salientar que reações
irracionais seguidos de desculpas, pedidos de acesso à privacidade das
tuas redes sociais e todo o tipo de conversas e interações que ocorrem
no teu dia-a-dia com outras pessoas, não é amor, é falta de confiança e é
mais uma maneira de tentar manter controlo sobre ti.
Sempre que o
teu comportamento não corresponder ao que ele/a acha correto, vais
sofrer de uma resposta abusiva por parte do teu agressor. Pode ser
socialmente, emocionalmente ou sexualmente, até que por fim a violência
física pode tornar-se uma ameaça bastante real.
Essa violência
acontece, não é ficção, não se passa só nos filmes. É no entanto aqui
que quem nunca passou por esta experiência, deixa de compreender o
porquê de permanecer nessa relação. Porque não é só a famosa
justificação do “Ele/a pediu desculpa, não vai voltar a acontecer”, até
que se repete…e repete-se. O dilema é que já nos encontramos tão
diminuidos sobre o controlo da outra pessoa, da sua ilusão de amor,
mesmo que irracional, tão dependentes de relação, que pensamos não
conseguir viver sem ela.
Mas é normal, certo? Ele ama-me, certo? É amor, certo?
NÃO! NÃO é amor. NÃO é normal. Ele NÃO te ama.
NÃO
é NÃO. Se ele/a não respeita o teu não, não te respeita a ti. E amar é
respeitar: não é magoar, insultar, bater, desconfiar, diminuir, agredir,
manipular e violentar.
Não escondas mais a tua dor. Conta aos
teus amigos, mesmo àqueles a quem renunciaste, conta aos teus pais,
conta a todos. O caminho que te vai libertar deste labirinto, é um que
não podes caminhar sozinho.
O silêncio é cúmplice da dor, por
isso grita. Obriga-o a ouvir o teu NÃO, torna-o alto o suficiente para o
mundo inteiro ouvir. Certifica-te que também tu o ouves, que o sentes e
que o vives.
*
O meu nome é Benedita Mendonça e tenho 17 anos. Frequento o 12º Ano no curso de Humanidades. Já fui jogadora de ténis...agora sou só preguiçosa. Sofro de um vício incurável por Coca-Cola, o que provavelmente me ajuda a perder horas de sono a ler ou a escrever. Dá-me jeito tornar essas horas em algo mais do que perdidas e é por isso que quero partilhar toda a vasta experiência que os meus 17 anos me ofereceram sobre a adolescência.
IN "VISÃO"
10/05/16
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