Os ricos que
mandam nisto tudo
e não pagam impostos - parte II
A passagem pelo
Parlamento de José Azevedo Pereira e Helena Borges, antigo e actual
responsáveis máximos da máquina fiscal, trouxe-nos informação mais
esclarecedora, mas nem por isso menos inquietante, sobre a forma como a
carga fiscal se reparte em Portugal.
O dado tranquilizador das duas audiências
é que, apesar de o grupo de trabalho constituído em 2012 para
investigar os "super-ricos" ter sido dissolvido, como Azevedo Pereira
tinha dito, a investigação não parou, garante a sua sucessora.
Prosseguiu internamente noutros arranjos orgânicos, tendo entretanto
sido abertas 44 inspecções, ainda sem retorno conhecido.
A intranquilidade é que as estatísticas apresentadas pela actual
Directora-geral da Autoridade Tributária (AT) confirmam que há fundadas
razões para se achar que há muitos ricos em Portugal que não pagam os
impostos devidos - como, de resto, suspeitava o FMI, de quem partiu a
iniciativa.
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Segundo a informação fornecida aos deputados, o grupo de 240
"super-ricos" que esteve sob análise (os tais "high net worth
individuals" ou "contribuintes com elevada capacidade patrimonial")
pagou uma taxa efectiva de IRS de 29,18% em 2012 e de 29,54% em 2014.
Ou seja, ao contrário do que aconteceu à generalidade dos contribuintes, que neste período se viu confrontado com uma subida vertiginosa do IRS, para estes não houve antes nem depois de Vitor Gaspar. Passaram pelos pingos da austeridade sem se molhar, e continuaram a pagar uma taxa que corresponde, grosso modo, à que é suportada pela classe média confortável (e apenas 9 pontos acima da media nacional, já incluindo juros e dividendos).
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Ou seja, ao contrário do que aconteceu à generalidade dos contribuintes, que neste período se viu confrontado com uma subida vertiginosa do IRS, para estes não houve antes nem depois de Vitor Gaspar. Passaram pelos pingos da austeridade sem se molhar, e continuaram a pagar uma taxa que corresponde, grosso modo, à que é suportada pela classe média confortável (e apenas 9 pontos acima da media nacional, já incluindo juros e dividendos).
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Há quem argumente que estes indicadores não querem dizer nada. Há
pessoas com muito património que têm pouco rendimento, logo, pagam IRS
mais baixo. Há famílias que podem ter muito rendimento mas que vivem só
de rendas, juros e dividendos (que não são englobados e suportam apenas
28% de IRS). E há expatriados ou estrangeiros recém-chegados a Portugal
que podem ganhar muito mas que só pagam IRS de 20%.
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É tudo verdade. Que pode, pode, e o facto de poder acontecer torna
necessários outros debates sobre a forma como os diversos rendimentos
são discriminados, em função da sua natureza e da sua titularidade.
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Mas considerando que já sabemos que também por cá há malas de dinheiro a sair clandestinamente do País; que a cada amnistia fiscal, há milhares de milhões de euros a entrar (ao todo foram 6 mil milhões de euros em sete anos); que, se outra amnistia houvesse, mais milhões se legalizariam; e que há quem comece a ser julgado por alegado patrocínio activo de esquemas fraudulentos, convém não abusar das explicações benevolentes.
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Não se trata de inveja social, nem de demagogia, nem tão pouco de
populismo. Há estatísticas com fortes indícios daquilo que o senso comum
vem pressentindo há vários anos: a factura fiscal em Portugal é paga de
forma muito assimétrica. É um imperativo económico e ético que este
debate se faça de forma aberta e transparente, e, de preferência, que se
faça com todos os contribuintes, incluindo os mais ricos cumpridores,
que pagam todos os seus impostos. Porque para esses também há uma
dimensão da desigualdade instalada: suportam uma taxa efectiva média de
46%, bem acima da dos "super-ricos". E que poderia não atingir níveis
quase confiscatórios se todos pagassem o que devem.
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
29/01/16
* A 1ª parte deste tema foi publicada a 12/12/15 e editada no blogue a 13/12/15
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