O estranho caso
do investimento
A recuperação económica emergida da Grande
Recessão observa algumas caraterísticas únicas por comparação com
anteriores fases de expansão do ciclo económico.
Presentemente, o padrão de retoma do investimento fornece uma âncora
menos sólida para a melhoria das condições económicas a prazo.
Do lado das condições financeiras, o custo de financiamento
apresenta-se reduzido de forma geral (embora nalgumas economias mais
afetadas pela crise, a correção da fragmentação de mercado ainda esteja a
decorrer) e o acesso ao crédito encontra-se praticamente restabelecido.
As condições de acesso ao crédito deixaram de pontificar entre as
principais preocupações das empresas e as avaliações dos bancos centrais
ao crédito bancário revelam avanços significativos na acessibilidade em
termos de quantidade e preço. Assim, a relativa falta de investimento
não será justificada pelo financiamento. A este respeito, poderá ainda
relevar que as empresas, designadamente na Europa, orientam-se
crescentemente para formas de financiamento menos dependentes dos
bancos, privilegiando, na margem, o financiamento por via de geração de
fundos próprios. A rendibilidade das empresas tem melhorado, recompondo
as suas posições de tesouraria e facilitando o financiamento de projetos
através de lucros retidos.
As empresas, aparentemente, dispõem dos meios para prosseguir novos
projetos. Não os concretizam porque: a) não consideram as rendibilidades
oferecidas interessantes?; b) o investimento, sobretudo o mais inovador
e potenciador de maiores incrementos de produtividade, apresenta riscos
de falhanço elevados e o investimento terá de ser disseminando por um
conjunto muito vasto de projetos para assegurar pelo menos um vencedor?
As empresas dispõem de meios suficientes para suportar uma taxa elevada
de insucessos e pulverização de projetos?; c) a tributação direta e
indireta das empresas coloca um entrave à apropriação dos rendimentos
potenciais gerados por investimento revolucionário?; d) a estrutura
acionista da empresa vs. a sua gestão são ou não favoráveis a
investimentos inovadores? Quem corre o risco vs. quem se apropria dos
resultados do investimento bem-sucedido? Fica a gestão e/ou os
acionistas suficiente tempo na empresa para se apropriarem dos
rendimentos gerados pelo novo investimento?; d) como a Goldman Sachs
sugere num estudo recente, o esforço de automação e de miniaturização
implica que as mesmas tarefas possam ser concretizadas por máquinas mais
pequenas, reduzindo o esforço de investimento em máquinas?; e) o
investimento como resultado do empenho em investigação teórica está a
sofrer com o desinvestimento público designadamente no âmbito da
defesa?; f) o nível de endividamento das empresas e o serviço de dívida
desaconselham a ampliação de operações?; g) as empresas não terão
capacidade de se apropriar de acréscimos de economias de escala?
Questões de regulação?
As perguntas acima relacionam-se sobretudo com investimento indutor
de acréscimos de produtividade, estando em muitos casos associado a
alterações de paradigma tecnológico ou científico. Porém, a timidez do
investimento também se observa na vertente do mero aumento da capacidade
produtiva instalada. Os empreendedores não estão suficientemente
confiantes com as perspetivas de procura futura para ampliar as suas
operações? Com efeito, no topo das suas preocupações está a evolução da
procura presente e prospetiva. O andamento da procura, na atual
envolvente, depende das projeções de rendimento futuro, das condições do
mercado de trabalho (recorde-se que, a respeito da queda do desemprego,
as taxas de participação permanecem baixas), as quais não se afiguram
muito risonhas. Estas vertentes podem ser alteradas, no curto prazo,
através de modificações na estrutura tributária ou na política
monetária; embora os efeitos de longo prazo possam ser mais fugidios.
Progressos sustentáveis no rendimento disponível (lado da procura)
decorrem de acréscimos de produtividade, caindo-se na necessidade de
responder às questões do parágrafo anterior - lado da oferta. Ou noutra
abordagem, as escolhas económicas dominantes terão de equacionar a
criação de mais emprego em indústrias menos produtivas, como serviços
sociais ou pessoais, devido à demografia e/ou ao nível de satisfação ou
saciedade de bens materiais de uma sociedade, promovendo ambientes mais
igualitários, com maior ênfase em indústrias mais produtivas, geradoras
de menos empregos, e potenciadoras de assimetrias de rendimento, pelo
menos no curto prazo. Como equilibrar o jogo entre ganhadores e
perdedores destas duas opções, conciliando-as? Do justo balanceamento
entre estas duas alternativas (oferecendo procura e oferta alinhadas)
poderá resultar a resolução do mistério do investimento, promovendo um
crescimento acelerado mais sustentável.
EconomistaIN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
21/05/15
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