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PROVEDOR DO LEITOR
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
08/03/14
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Zeca, malvado!
Vais estrugir ao lume infernal!
Tinham de me
contar muito devagarinho, como se eu tivesse calos nas meninges, para
poder acreditar! Se não se desse o caso de haver visto a fugaz cena
filmada e depois testemunhada pela vítima, seria necessário uma tortura à
moda da Laranja Mecânica, para que eu me convencesse: o Zeca Mendonça, o
mais antigo e acolhedor assessor de impressa do PSD, agrediu um
jornalista!
Tudo se passou num hotel
onde o PSD reuniu pela primeira vez o seu novo Conselho Nacional após o
Congresso do Coliseu. Para os homens da imagem a notícia essencial
estava na cara do homem - Miguel Relvas - que foi imposto à martelada,
pelo líder, como cabeça-de-lista para o Conselho Nacional, humilhando
até os seus mais próximos. A vingança dos ofendidos serviu-se no gelo do
voto secreto e a lista proposta pelo chefe foi uma das menos votadas.
Por isso, além não o ter feito presidente do Conselho Nacional, como
erradamente se noticiou, uma vez que é o presidente do Congresso,
Fernando Ruas, quem preside às sessões do Conselho Nacional, Passos
Coelho acabou por transformar Miguel Relvas num zé-ninguém no meio de
todos aqueles conselheiros mais votados do que ele, não obstante a
empáfia que mostrou ao sentar-se nas primeiras filas, se não na
primeira. A cunha do chefe...
(Não acredito que não haja por aí um
jornalista de investigação a esgravatar para saber o que une e tanto
cumplicia estas duas figuras. O terem sido ambos coevos como pequenos
lusitos do partido parece insuficiente como justificação.)
Havia,
pois, Miguel Relvas a fotografar. Como chegaria? Com um sorriso amarelo?
Com um capacete de mota como o fazem os arguidos de crimes infamantes?
De burca e mãos tatuadas como uma muçulmana rica com suíte de luxo no hotel?
Nada,
nada. Como a onda que os superpetroleiros empurram quando avançam,
Miguel Relvas chegou cheio de importância e distância e mandou (ou
alguém por ele), conter em baias os rapazes dos jornais. Os jagunços e
gorilas de serviço, que cada vez mais abundam na área dos partidos do
poder (também era bom saber se são pagos pelo partido ou pelo Governo,
que é como quem diz, pelo Estado, isto é, o pé-de-meia das nossas
reformas a quem as traças mandantes já fizeram um buraco que não haverá
cerzideira que feche...)
A Global Imagens, a agência do grupo a
que pertence o DN e fornece as fotos a este jornal, tinha enviado dois
repórteres fotográficos, Ângelo Lucas e Paulo Spranger. Segundo as
normas que o partido pretendia impor, os dois fotojornalistas tinham de
ficar no redil a eles destinados.
Paulo Spranger - que
praticamente vi nascer como jornalista e pelo qual tenho imensa estima -
reagiu como um jornalista: tinha de se "desenfiar" dali. Dois a fazerem
a mesma foto era desperdício e lembrou-se de que, afinal, estava num hotel. O partido pode estabelecer baias nas salas que aluga, mas não nos corredores, que são livres.
("Vai-se
a ver", os jagunços e gorilas ainda se arrogavam o direito de
revistarem a milionária árabe de burca e mãos tatuadas...)Paulo Spranger
colocou-se no ponto que lhe convinha e, abordado pelo mau hálito do
segurança, deu-lhe esta explicação jurídico--hoteleira. Atordoado, o
homem recuou e foi queixar-se ao Zeca Mendonça.
Este, que já devia
estar com a cabeça em água com as ordens e contraordens de segurança
com que estaria a ser metralhado, ainda teve tempo para acolher Miguel
Relvas. Aquele contacto deve-lhe ter dessintonizado os fusíveis e foi-se
a Paulo Spranger e, segundo descrições, "pontapeou" ou "agrediu a
pontapé" o repórter ao serviço do DN. Do que eu vi - e assim mesmo mo
descreveu Paulo Spranger - foi uma desajeitada canelada nas barrigas das
pernas do jornalista, que estava de costas e distraído.
"Ainda
pensei que fosse um segurança e preparava-me para reagir, quando vejo
que era o Zeca Mendonça, com quem convivo há mais de não sei quantos
anos", disse-me Paulo Spranger. "Fiquei sem saber o que pensar, de tão
surpreendido.
" Nem um minuto depois, Zeca Mendonça voltou a
dirigir-se a Paulo Spranger, agora completamente transformado. Desfez-se
em desculpas, disse não saber explicar o que lhe tinha passado na
cabeça. Paulo foi compreensivo: perante o imediato pedido de desculpas,
entendeu não levar a mal, meteu o caso num daqueles encontrões que um
repórter leva no exercício das suas funções, quantas vezes de um
camarada de profissão.
Paulo Spranger deu por encerrado o assunto e
nem se lembrou de dizer na redação o que lhe tinha acontecido, tal foi a
importância que atribuiu ao episódio.
Mas quem vê imagens não vê
corações e, ao cair da noite, a redação foi alertada para o facto de uma
estação de televisão ter filmado a cena e a notícia já constar online.
Nuno Saraiva, diretor de serviço naquela noite, telefonou estupefacto a
Zeca Mendonça. O homem estava mais do que repeso, em especial porque nem
sabia explicar o que o levara a fazer aquilo.
O que se seguiu já
os leitores saberão, pelo menos os que frequentam as redes sociais: na
proporção inversa do conhecimento e convivência pessoal com o Zeca,
pediu--se-lhe a cabeça cortada em pelourinho e trazida em bandeja para
ser colocada aos pés de uma Salomé redentora de todas as liberdades, foi
o malvado condenado a estrugir no inferno dos inimigos dos jornalistas,
chegou a sentir-se, na nádega da corporação, que um pontapé num
jornalista é um pontapé em todos os jornalistas e que, todos à
trincheira!, data daquele chuto o começo da supressão da liberdade de
imprensa em Portugal.
A ter de julgar, não absolvo Zeca Mendonça.
Grande ou pequena, foi uma agressão a um jornalista. Mas a verdade é
que nem ele próprio se absolve. Estamos conversados quanto ao mal que
foi feito.
Falta agora dimensionar a gravidade do delito e
eventualmente a pena aplicável (se, insisto, estivesse a julgar o caso,
que não é atribuição exclusiva de juiz de beca mas de qualquer cidadão:
não lavra sentenças, mas formula juízos de opinião, que valem o mesmo,
apesar de não doer nos ossos ou na liberdade de movimentos).
Conheci
um PPD feito por homens com quem nunca concordei, antes e depois do 25
de Abril, mas sabia reconhecer neles gente com valor intelectual, com
passado de intervenção em tempos difíceis, de admirável inteligência e
respeitáveis cavalheiros e damas. Marcavam-se pela qualidade da sua
intervenção e pela elegância de relacionamento.
Só para humilhar
dos pigmeus que se apinham no estribo do carro elétrico do poder, cito
alguns, pouquíssimos nomes (e peço perdão de todas as omissões
involuntárias) que fizeram o PPD, mais tarde PSD: Francisco de Sá
Carneiro, Francisco Balsemão, Magalhães Mota, Nuno Rodrigues dos Santos,
Menéres Pimentel, Barbosa de Melo, Natália Correia, Jorge Sá Borges,
Jorge Miranda e nunca me esqueço daquele santo homem, Fernando Amaral, a
quem fiz a maldade de o arrastar até à porta do Pavilhão Europa, em
Santa Maria da Feira, no congresso que Marcelo Rebelo de Sousa venceu,
mostrar-lhe o parque automóvel, todo de carros pretos oficiais de
departamentos do Estado e autarquias e perguntar-lhe: "Estes
congressistas votam no interesse de quem?" Foi uma crueldade. No dia
seguinte, Fernando Amaral disse-me que aquilo lhe estivera a dar voltas à
cabeça e mal dormira.
Mas havia uma segunda linha do PPD: a
líder, Conceição Monteiro, uma espécie de mãe adotiva de Sá Carneiro,
liderava as relações com a imprensa; pouco tempo depois, apareceu Zeca
Mendonça.
A estes dois assessores, o PSD fica a dever uma estátua.
Eles foram, ao mesmo tempo, a muralha discreta da proteção do partido e
o centro de acolhimento dos jornalistas.
Com o decurso do tempo,
sobressaiu Zeca Mendonça: foram desaparecendo os gentlemen do partido,
ficaram a boiar os casca-grossa que mandam e, especialmente, desmandam.
Sobrou ele. Não conheço um só jornalista - a começar pelo Paulo Spranger
- que não o aprecie e use e abuse da sua infinita paciência. E a quem
ele sempre correspondeu sem quaisquer favoritismos partidários ou
ideológicos.
Zeca Mendonça tem quase quarenta anos de atenuantes
para o gesto delituoso que praticou sobre Paulo Spranger. Já o disse
publicamente: se vir o Zeca Mendonça, dou-lhe um abraço e nem menciono
este incidente, porque ele já está suficientemente mortificado.Pedro
Tadeu, no seu comentário, admitiu que Zeca Mendonça, "figura
envernizada, revela, no final da carreira, a pele de um brutamontes
reprimido". Não concordo: o verniz de Zeca Mendonça é natural (com uma
fissura em 40 anos!) e revejo-me mais no que Manuel Almeida,
fotojornalista da Lusa, lhe disse numa rede social, esquecendo
solidariedades corporativas com outro fotojornalista: "Afinal, és
humano!"
O PSD, através dos seus dirigentes, é que demonstrou
sobranceria, falta de galhardia e a completa falta de educação cívica ao
não ter um pedido de desculpa a Paulo Spranger, nem sequer um gesto
ativo de resguardo de Zeca Mendonça. Não há muito a esperar de
almocreves no poder. Uma miséria!
Estrela Serrano, que foi
assessora presidencial - e provedora do leitor do DN - e que conheceu de
perto Zeca Mendonça, diz que ele não é assessor, mas "amigo dos
jornalistas". E acha que ele vai agora voluntariamente para funções de
retaguarda.Não faças isso, Zeca! Mantém-te firme no teu posto. Ao
contrário do que disseram, não constituis perigo para a liberdade de
informação. Tens sido a defesa da liberdade de trabalho
dos jornalistas. Se saíres, os capatazes ministeriais com vontade de
domesticar jornalistas, os jagunços e os gorilas vão tomar o freio nos
dentes e destruir o teu trabalho de 40 anos!
PROVEDOR DO LEITOR
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08/03/14
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