O "Conselheiro" Borges
1. Tenho por certo que António Borges, nesta fase da sua vida, está muito pouco interessado em fazer concessões em relação a tudo aquilo em que acredita, e a tudo aquilo que julga saber.
Isso tem sido evidente nos últimos meses.
Cada vez que António Borges dá uma entrevista, e desdobra-se como nunca nessa cruzada, o que diz produz efeito.
Em junho defendeu que os salários dos portugueses deviam baixar. Obrigou o primeiro-ministro a vir esclarecer que o Governo não tinha nenhum plano para descer nominalmente os salários.
Em agosto, numa incursão sobre a RTP, lançou a ideia de concessionar a estação a privados que tinham, dizia ele, melhores condições para gerir a empresa - e despedir quem houvesse a despedir a seguir. Mesmo quando, já no início deste ano, Miguel Relvas anunciou que a privatização estava cancelada e se iria seguir a restruturação da RTP mantendo-a na órbita do Estado, o conselheiro Borges entendeu que não seria bem assim. E disse-o.
Em setembro, na mais bruta das polémicas, tinha decidido chamar ignorantes aos empresários que rejeitaram as alterações à taxa social única, que Pedro Passos Coelho, pressionado pelo País, foi obrigado a meter na gaveta.
2. Agora, retomando o tema que lhe é tão caro da baixa de salários, António Borges acha que até o ordenado mínimo (485 no Continente e um pouco mais nos Açores e na Madeira) deveria diminuir, como aconteceu noutros países, como a Irlanda. Que o salário mínimo português seja um terço do irlandês será, com certeza, um pormenor; e que os patrões portugueses, numa perspetiva mais inteligente de reanimação do mercado interno, estejam até disponíveis para negociar esse salário mínimo nacional, deve ser - é - absolutamente irrelevante para o "conselheiro" Borges.
Pelo meio disto, a avença de 300 mil euros que recebe para o grupo de trabalho que lidera dar conselhos ao Governo sobre as privatizações não o impediu de assumir funções num grupo privado, a Jerónimo Martins.
3. É um mistério que o Governo continue a precisar dos doutos conselhos do antigo vice-governador do Banco de Portugal e alto funcionário da Goldman Sachs.
Por um lado, cada vez que o homem fala - e já se percebeu que não se sente limitado neste campo da comunicação - o Governo abana. Leva com os protestos e críticas de empresários, trabalhadores e partidos da oposição, quando não mesmo com as de relevantes militantes dos próprios PSD e CDS.
A irresistível lógica teórica defendida por Borges de que baixos salários são um passo para promover o emprego no futuro seria, aliás, sempre um excelente argumento para Pedro Passos Coelho fazer aquilo que há muito se impõe: despedi-lo com justa causa, retirar ao "conselheiro" a possibilidade de continuar a massacrar os seus compatriotas com a dureza de quem parece que já nada espera da vida.
Há momentos em que é preciso dizer basta aos dislates, mesmo que travestidos de alguma lógica académica ultraliberal.
Não há nenhum motivo de natureza racional que, tantos disparates depois, aconselhe a manter este homem na órbita do Governo - pago, e bem pago, com o dinheiro de todos os contribuintes. Se há limites para a arrogância intelectual paga pelo Estado, António Borges ultrapassou-os todos.
Se todos os portugueses trabalhassem de borla haveria pleno emprego e todas as empresas do mundo quereriam estabelecer-se no nosso país - será que António Borges já pensou nisto? É uma bela ideia, não é?
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
09/03/13
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