O preço do Federalismo
Mário Monti afirmou recentemente que para garantir a sobrevivência da União Europeia os governos devem ser capazes de dispensar a ligação aos seus parlamentos nacionais.
Monti não se limitou a dar o conselho, deu
como exemplo o seu, assumindo que se se tivesse prendido às
considerações do parlamento italiano não teria sido possível acatar com
as decisões já tomadas em sede europeia. Na entrevista dada ao Spiegel
não lemos justificações sobre os critérios que fazem o primeiro-ministro
italiano, que anda não recebeu ajuda, colocar os interesses da União
acima do seu dever de representatividade nacional - o tecnocrata europeu
que subiu ao poder sem passar por eleições limita-se a dizer "Foi-me
dada a tarefa".
Nada de novo para os portugueses que viram o ano passado o seu
primeiro-ministro demissionário pedir a entrada no País de uma missão
técnica da Comissão Europeia a dias de uma campanha legislativa que
poderia e deveria ter servido para chamar os portugueses a participar
naquele que foi o plano de endividamento assinado em seu nome.
É este o federalismo europeu que, a pretexto da presente crise, se
impõe de forma premente: um projecto gerido por tecnocratas em que as
soberanias nacionais são encaradas como obstáculos à eficiência da União
Europeia.
Se na primeira metade do século XX o federalismo europeu era um
projecto essencialmente filosófico, desenhado por intelectuais para
espartilhar os nacionalismos que se acreditavam estar na origem das
grandes guerras, hoje a sobrevivência do projecto federal europeu é,
abertamente, o único critério de eficácia política assumido pela classe
governativa. A UE chegou agora a um ponto de confronto directo entre o
modelo de governo nacional e o federal: o Euro não sobrevive se o
primeiro não ceder a favor do segundo.
Perante este ‘clash' de modelos governativos, a cisão entre os
interesses da classe no poder e os interesses da classe governada é cada
vez mais evidente. Do Norte ao Sul da Europa crescem movimentos
nacionais ou eurocépticos que se sentem reféns de uma política
artificialmente centralizada que não são chamados a ratificar. Enquanto
isso, a classe governativa menoriza, como Monti, a utilidade das
instituições políticas nacionais, ou enfatiza, como Merkel, os
benefícios de um cada vez maior poder de intervenção vertical.
Contra as evidências das imperfeições do sistema federal e contra as
provas da ineficácia das medidas até agora tomadas para o salvar, a
classe política europeia continua no caminho da diluição das
representatividades nacionais, com os governados a verem os seus
interesses tidos como obsoletos e o seu nível de vida espoliado para
pagar a manutenção de uma ideia que não conseguiu nem consegue provar a
sua eficiência nem legitimidade.
Docente de Filosofia
IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
23/08/12
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