Fernando Lanhas:
entre a ciência e a arte
Não sou o primeiro nem serei o último a dizê-lo: esta semana Portugal ficou mais pobre quando faleceu um dos mais originais artistas do século XX, o arquitecto Fernando Lanhas.
Foi em plena Segunda Guerra Mundial, no ano de 1944, que ele se afirmou como o expoente do chamado grupo dos Independentes, formados na Escola de Belas Artes do Porto, e que incluía nomes como Júlio Resende e Nadir Afonso. O seu quadro intitulado 02-43-44, exposto na altura no Instituto Superior Técnico em Lisboa, é justamente considerado a primeira expressão do abstraccionismo entre nós por romper radicalmente com toda uma tradição figurativa. Logo a seguir Lanhas, nascido no Porto em 1923 (portanto, na altura com 21 anos), ensaiou experiências inovadoras que incluíram a pintura abstracta em seixos. Chegou mesmo a realizar nos anos 50 uma pintura rupestre ao ar livre na Serra de Valongo.
Lanhas era um verdadeiro apaixonado pela ciência: encantava-se não apenas com as pedras no solo (foi um notável coleccionador de fósseis!), mas também com as estrelas no céu. Para ele, não havia dúvidas de que existia vida para além da Terra, no Universo infinito. Uma história passada durante a inauguração de uma sua exposição no Museu de Serralves, no quadro do Porto Capital Europeia da Cultura em 2001, é bem ilustrativa das suas convicções cósmicas. Ladeado pela Presidente daquela Capital, a astrónoma Teresa Lago, e pelo Presidente da República, Jorge Sampaio, afirmou o artista que «a vida está por todo o lado» (referia-se ao Universo). Logo a astrónoma colocou uma nota de cautela: «Presumimos, Senhor Arquitecto». Lanhas não se ficou. E, algo incomodado, replicou: «Quer que dê a minha palavra de honra?». Valeu para sanar o incidente o Presidente da República que pegou no braço do artista para iniciar a visita à exposição.
Lanhas via uma unidade profunda entre arte e ciência. Por isso, na criação de muitas das suas obras de arte, inspirou-se na ciência. Fez, por exemplo, modelos da superfície da Lua, criou uma Carta das Distâncias e das Rotas dos Planetas do Sistema Solar e de algumas Estrelas, e preparou um Mapa das Ocorrências Verificadas no Universo desde a Explosão Inicial. Mas, como revela o episódio relatado, o seu sentido artístico acabava sempre por se sobrepor às conclusões científicas. Conforme acrescenta António Quadros Ferreira, professor de Belas Artes, num livrinho recente onde conta a engraçada história (O Lado de Cá. Conversas com Fernando Lanhas, Afrontamento, 2011): «O que está em causa [na arte de Lanhas] não é tanto a ciência e a sua função, mas a liberdade de sonhar». O introdutor da arte abstracta era aliás obcecado pelos seus sonhos, a ponto de os registar por escrito quando acordava
IN "SOL"
13/02/12
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