Provavelmente só porque é fim de semana é que os meus amigos, conhecendo-me
como virologista, ainda não me questionaram sobre a gripe "suína".
Infelizmente, o termo é errado. No caso da gripe aviária que apareceu há
poucos anos, houve infecção de algumas centenas de humanos, mas sem que o
vírus pudesse passar desses humanos a outros. Agora é diferente.
De suína, esta gripe só tem a origem. De facto, ela é bem humana. Na
história da gripe, o aparecimento das grandes epidemias mundiais (pandemias)
foi quase sempre por adaptação ao homem de vírus suínos da gripe. Por isto,
as expectativas em relação ao vírus aviário H5N1 (sigla que identifica os
dois principais antigénios do vírus, e que definem se temos ou não imunidade
contra ele) eram a de, com alguma probabilidade, na situação do Extremo
Oriente de grande concentração conjunta de aves, porcos e humanos, o vírus
aviário H5N1 passar para o porco e deste para o homem, adquirindo capacidade
de transmissão homem a homem.
Afinal, como tantas vezes acontece na emergência de novos vírus a situação
foi surpreendentemente diferente. O que aparece é um novo vírus humano -
insisto, humano, transmissível de homem a homem - com origem no porco mas no
outro lado do globo, no México. Também não é um H5N1 e por isto, como eu e
muitos escrevemos na altura, era tolice investir em vacinas contra um vírus
que ninguém sabia o que viria a ser - mas sim um H1N1, desaparecido da
história da virologia há quase um século. Foi o tipo de vírus que causou a
terrível pandemia de 1918, a espanhola, que matou mais gente na Europa do
que a guerra mundial que tinha terminado pouco antes. É certo que tem
havido, nos últimos invernos, algumas infecções com H1N1, mas não é o tipo
hoje mais vulgar e nada garante que o novo vírus seja neutralizado por
vacinação com os últimos H1N1 circulantes.
Hoje, os dados oficiais mexicanos revelam cerca de 1300 infectados com 81
mortes, uma taxa de letalidade já considerável. Também já há casos nos EUA.
O que significa isto? Não quero ser alarmista, mas os meus leitores têm o
direito ao que de mais objectivo eu, especialista, possa dizer.
Considero uma situação muito preocupante, porque estamos perante condições
muito diferentes do que eram as tradicionais na emergência de novas
pandemias de gripe. A sua origem não é em zonas rurais da Ásia mas sim numa
área metropolitana de 20 milhões de pessoas, em estreito contacto
favorecedor de transmissão por via respiratória. Em segundo lugar, os vírus
hoje viajam de avião. Finalmente, como disse atrás, trata-se de um tipo de
vírus contra o qual há dezenas de anos que não há qualquer resistência imune
nem há vacinas rapidamente disponíveis.
Que fazer, em Portugal? Para já, a nível individual, nada. A nível das
autoridades de saúde, vigilância, controlo a nível de medicina das viagens,
planeamento desde já de condições de hospitalização e isolamento de milhares
de possíveis doentes (atenção, vai ser a esta escala, transformando a FIL em
hospital). O que faria agora eu, como indivíduo? Obviamente, cancelar
qualquer viagem marcada para o México ou para o sul dos EUA. Informar-me
junto do meu médico sobre todos os sinais de alerta, os sintomas da gripe,
que muita gente confunde com os de uma vulgar constipação. Se começar a
haver casos em Portugal, usar máscara, deixar de frequentar locais com muita
gente, isolar em casa, como prisioneiros, os nossos pais septuagenários. E,
se a religião ajuda, rezar frequentemente.
Mas também ter em conta que o mesmo progresso e actual modo de vida que nos
vai trazer o vírus de avião também vai permitir o diagnóstico muito precoce
da doença, a produção limitada mas razoável de medicamentos e de vacinas.
P. S. - Já imagino o que vai haver por aí de pânico em relação ao consumo de
carne de porco! Mesmo que a gripe fosse suína, não era pela carne que se
transmitiria. Mas, como chamei a atenção, "suína" é neste caso uma
referência enganosa, tem a ver só com a origem. Quem a vai ter são os
humanos, não os pobres suínos.
P. S. (21:30) - Últimos dados (não confirmados nos "sites" oficiais): cerca
de 20 casos nos EUA, detectados já alguns casos no Canadá, no Japão e na
Nova Zelândia.
(27.4.2009, 11:30) - Também alguns casos (1 confirmado, 17 suspeitos) já
aqui ao lado, na Espanha.
23.4.2009
Prof. João Vasconcelos Costa
Doutor e agregado em Medicina (Microbiologia)
http://jvcosta.planetaclix.pt/moleskine.html#10
enviado por JVA
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