11/02/2025

ANA RESPÍCIO

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Sim, sou menina e
quero ser cientista

“Eu quero ser cientista!”, disse, do alto dos meus onze anos, de queixo levantado. A turma (ou metade dela, mas soou como se fosse inteira) riu-se “ahahah, quer ser cientista…”. Os meus colegam riam-se talvez por ser uma escolha invulgar e, aos olhos deles, disparatada, ou talvez por me acharem incapaz ou, quem sabe, por ser rapariga. Para mim, o motivo do riso era irrelevante, não queria ser igual a todos e todas: “advogado”, “médica”, “embaixador”, “psicóloga”, “engenheiro”, “bailarina”, “juíz”, “arquiteto”, “enfermeira”, “advogada”, “jornalista” … Por essa altura, não poderia imaginar que viria a ser cientista nas Ciências da Computação porque, apesar de já existirem, não sabia sequer o que era um computador. Mas a vontade de descobrir coisas, experimentar, resolver problemas, e criar algo útil estava em mim.

Passados quase cinquenta anos, seria possível a repetição deste episódio? Talvez não sejam exatamente os mesmos, mas os estereótipos e os preconceiros continuam a existir. Eles afastam as meninas duma carreira nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM, na terminologia anglo-saxónica). É uma questão cultural e social. Ainda se compartimentam as profissões em “masculinas” e “femininas”. As “carreiras para mulheres” são muitas vezes aquelas que requerem maior desenvolvimento de competências sociais, emocionais, e associadas a cuidados. As “carreiras para homens” estão ainda associadas ao poder e ao engenho. Num esforço para alertar a sociedade e tentar esbater a sub-representação feminina nas STEM, celebra-se, a 11 de fevereiro, o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, promovido pela Unesco e pela ONU.

A disparidade de género nas STEM é ainda mais acentuada nas Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC). Na Licenciatura em Engenharia Informática da Faculdade de Ciências (Ulisboa), da qual sou coordenadora, presentemente há apenas 16% de estudantes do género feminino. Esta percentagem tem vindo a aumentar na última década, mas muito ligeiramente. O mesmo se passa na Licenciatura em Tecnologias da Informação, também desta faculdade, em que a percentagem é atualmente de 20%. De acordo com a DGEEC, em Portugal, atualmente, apenas 1% das mulheres inscritas no ensino superior estudam numa li 17ptcenciatura de TIC.

Logo na idade do ensino básico ou mesmo do pré-escolar, na escola ou em casa, as crianças devem ser expostas às tecnologias e à programação, independentemente do seu género. Existem linguagens de programação desenvolvidas especificamente para crianças, como o Scratch ou o Blockly. Estas linguagens permitem brincar a programar e estimulam o desenvolvimento do raciocínio lógico, do pensamento criativo e da autonomia. A introdução à programação e ao pensamento computacional é benéfica tanto para raparigas como para rapazes e, a longo prazo, para toda a sociedade. Se no ensino básico se aprende sobre a flutuação em líquidos, porque não aprender a desenvolver algoritmos ou a fazer uma app? São atividades criativas que podem ser divertidas, além de que sermos capazes de criar os nossos próprios jogos aumenta a auto-estima.

Para trazer mais mulheres para as TIC há que mudar mentalidades e agir nas bases. As carreiras nas TIC não são “masculinas” e é necessária a diversidade de aptidões. Se tanto os homens como as mulheres utilizam software, porque havemos de delegar a sua conceção ao género masculino? Uma carreira em TIC pode ser muito desafiante e pouco

monótona, estimuladora da nossa capacidade analítica e criatividade. Conheço mulheres (e alguns homens) que decidiram “mudar de área” já depois de terem formação académica, porque estavam insatisfeitas com as oportunidades de emprego ou porque estavam cansadas da monotonia nas atividades que desempenhavam.

A diversidade e a inclusão são motores de inovação, pois o confronto com diferentes perspetivas e abordagens estimula novas ideias e atitudes. No setor das TIC, certas competências tradicionalmente associadas ao perfil feminino, como a atenção ao detalhe e a predisposição para a cooperação, têm sido cada vez mais valorizadas. A crescente procura por profissionais qualificados na área oferece excelentes oportunidades de carreira, tanto a nível nacional como internacional. A imagem do geek fechado numa cave escura constitui um estereótipo do passado.

* Professora Associada, Coordenadora da Licenciatura em Engenharia Informática, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS" - 11/02/25 .

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