13/01/2025

FILIPE ALVES

 .



Quando os poderosos caem

A demissão de Filipe Silva, presidente-executivo da Galp, na sequência de uma denúncia interna a respeito de uma alegada situação de conflito de interesses devido à existência de uma relação muito próxima com uma das suas subordinadas, apanhou muita gente de surpresa. Alguns reagiram com incredulidade: Rui Rio, antigo líder do PSD, comentou numa rede social que se “isto pega moda” será preciso rever em baixa as previsões de crescimento da economia portuguesa. Por sua vez, ainda antes de Filipe Silva ter renunciado ao cargo, o advogado António Garcia Pereira afirmou que o eventual despedimento do gestor poderia tratar-se de uma “operação de homicídio de caráter destinada a correr com uma pessoa e a abrir caminho para eventuais interessados no cargo e que as pessoas têm direito à sua vida privada. Porém, o caso é mais complexo do que isso.

Em primeiro lugar, é de saudar o facto de o código de conduta interno da Galp ser levado a sério. Num país em que muitas coisas se fazem para “inglês ver” e onde os titulares de órgãos internos de fiscalização frequentemente “entram mudos e saem calados, é de louvar o facto de alguém encarar a questão dos conflitos de interesse de forma consequente. Não é preciso ser-se um génio para compreender que uma relação íntima entre um gestor de uma grande empresa e uma diretora que é sua subordinada pode levantar um problema de conflito de interesses, podendo prejudicar a empresa, bem como os seus acionistas e funcionários. Se na maioria das empresas portuguesas - sobretudo micro e PME - uma situação destas não seria vista como problemática, o mesmo não acontece numa cotada como a Galp, que tem entre os seus acionistas vários investidores internacionais e onde uma pequena decisão que seja tomada pelo CEO pode ter um impacto, nos resultados da empresa, na ordem dos milhões de euros.

Não quero com isto dizer que a Galp foi prejudicada, mas sim que existia esse risco. E, além disso, à mulher de César, ou, neste caso, ao CEO da Galp, não basta ser sério, há que parecê-lo. Daí a necessidade que foi sentida de, a certa altura, o código interno da petrolífera ter passado a prever a necessidade de fazer o disclosure destas situações, por poderem colocar em causa o “exercício objetivo” das funções. É importante realçar este ponto: não está em causa a relação em si, que, tratando-se de dois adultos, diz respeito apenas aos próprios, mas antes o facto de não ter sido comunicada aos órgãos internos competentes.

Dito isto, ensina a experiência que a observação de Garcia Pereira, a respeito de se tratar de um eventual golpe palaciano, poderá ter fundamento. O facto de existir a obrigação de se investigarem denúncias anónimas potencia este tipo de situações. Porém, ao mesmo tempo, os mecanismos de whistleblowing constituem um poderoso incentivo para melhorar a governação das organizações. No fim de contas, quando os poderosos caem por causa de uma denúncia, será porque esta tem fundamento.

Entretanto, nos mercados, há quem acredite que com a saída de Filipe Silva a energética se tornou mais apetecível para uma eventual oferta de aquisição, havendo mesmo quem identifique a Chevron como potencial interessada. A hipótese foi levantada pelo analista Biraj Borkhataria, do Royal Bank of Canada. Segundo este analista, a saída do CEO, juntamente com as perspetivas positivas dos negócios na Galp e no Brasil, tornam a empresa mais vulnerável a uma eventual ofensiva. Porém, esta interpretação, conveniente em termos de timing para a ação da Galp, parece pouco sólida, na medida em que a empresa já era atrativa antes de Filipe Silva deixar o cargo. 

* Director editorial deste jornal

IN "DINHEIRO VIVO" 10/01/25.

Sem comentários: