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A protegida dos protegidos
Maria Luís Albuquerque irrompeu na política portuguesa pela mão de Passos Coelho e foi a líder mais determinada dos mais troikistas que a troika. O balanço da política de austeridade está feito e é avassalador: recessão, desemprego, pobreza e, no fim, um aumento exponencial do rácio da dívida e um “regresso aos mercados” que só aconteceu porque o BCE o permitiu. Maria Luís Albuquerque foi o rosto dos sacrifícios que muitos portugueses tiveram de suportar em nome de uma política falhada, mas há outros, portugueses e não-portugueses, a quem Maria Luís Albuquerque deixou memórias mais felizes.
Se há crítica que não lhe pode ser feita é que não tenha tido uma carreira animada. Nos últimos 15 anos, Maria Luís Albuquerque exerceu funções públicas e privadas. Em alguns momentos, ao mesmo tempo. Muitas vezes lidando com os mesmos interesses ou até com as mesmas empresas. Há, no entanto, um elemento em comum em todas as funções que exerceu: o interesse público foi invariavelmente lesado e vários interesses privados foram invariavelmente protegidos.
Esse elemento é anterior ao exercício de funções públicas. Enquanto diretora da REFER, custou milhões à empresa com os famosos contratos swap. Quando chegou ao governo, acordou tarde para esses e outros contratos que custaram centenas de milhões ao Estado. Foi também no Governo que presidiu à constituição de um monopólio privado nos aeroportos portugueses com consequências incalculáveis para o desenvolvimento do país e uma renda assegurada por meio século para a Vinci. Para completar o ramalhete, foi um membros do governo envolvidos no escândalo da TAP, comprada com o seu próprio dinheiro e vendida ao desbarato por um governo sem legitimidade para o fazer. Um crime de lesa-pátria que ainda hoje faz correr tinta.
Mas foi na gestão dos dossiers do sistema financeiro, que as tragédias se sucederam ao ritmo mais alucinante. Foi Maria Luís Albuquerque que aprovou o famoso (ou infame) “regime especial aplicável aos ativos por impostos diferidos”, uma das medidas mais vantajosas para a banca alguma vez aprovada em Portugal, que custou e continua a custar centenas de milhões ao Estado. Esta medida, por força da sua tecnicidade, passou despercebida a grande parte da opinião pública e publicada. Teria passado totalmente despercebida não fosse a intervenção teimosa da Mariana Mortágua. Mas na gestão de dossiers concretos, a coisa não melhorou.
Vendeu o BPN por 40 milhões, ficando o Estado a pagar o buraco. Foi a Ministra das Finanças que esteve disponível para a experiência da Comissão com o BES, na boa tradição do bom aluno nacional. Prometeu que não custaria um cêntimo. Ficou-se nos oito mil milhões. No Banif, a desgraça veio por inação. Maria Luís Albuquerque foi empurrando o problema até o passar para o Governo seguinte. Mas foi quando Maria Luís Albuquerque era Ministra que o Banif público vendeu ativos a preço de desconto à Arrow, um fundo-abutre que veio mais tarde a anunciar uma contratação de peso: a ex-Ministra das Finanças que o era quando esse negócio se realizou, e passou acumular o cargo na Arrow com as funções de deputada.
Esta absoluta falta de ética e vergonha não é defeito, é feitio. Agora, depois de trabalhar para a Morgan Stanley, vem para a Comissão trabalhar em dossiers em que a Morgan Stanley é uma interessada de primeira linha, como os que estão relacionados com a União de Mercados de Capitais.
Este currículo de incompetência e inimputabilidade não impedirá que Maria Luís Albuquerque seja nomeada. Maria Luís Albuquerque sabe que é protegida pelos grupos da direita, mas também da extrema-direita que também foi namorando, por exemplo quando apresentou o livro “Um século de Escombros”, de Mithá Ribeiro. Maria Luís Albuquerque sabe que é também protegida pelo poder económico e financeiro que tanto beneficiou com a sua atuação ao longo dos últimos anos e que a segurou quando as coisas corriam mal na política. Maria Luís Albuquerque irá iniciar esse mandato com a convicção que é certamente sua, de que o mundo pertence a quem não tem vergonha. A Europa, pelo menos, parece que sim.
*Catarina Martins é eurodeputada do Bloco de Esquerda.
**José Gusmão é economista e dirigente do Bloco de Esquerda.
IN "PÚBLICO" - 05/11/24
NR: Basta recorrer ao curriculum da nova Comissária para se verificar que todo o histórico aqui descrito é real, as considerações políticas pertencem aos autores..
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