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A qualidade e a sustentabilidade dos cuidados de saúde encontram-se intimamente relacionadas com o estado da enfermagem. Quanto mais autónoma, desenvolvida e valorizada se encontrar a profissão, melhores estarão os principais indicadores de saúde.
No entanto, há muito ainda por fazer. As avaliações aos vários sistemas de saúde, efetuadas por entidades internacionais como a Organização Mundial de Saúde, destacam a necessidade de tornar o investimento na enfermagem numa real prioridade.
A saúde enfrenta vários desafios a curto prazo. Uma das justificações para a introdução do modelo das Unidades Locais de Saúde (ULS) é a necessidade de melhor integração de cuidados. Só por si, as ULS não resolverão problemas estruturais da saúde. Sem que a enfermagem se torne central na integração e gestão do percurso de saúde das pessoas, este desiderato não será alcançado.
Também na interseção entre clima e saúde, onde a prestação de cuidados de saúde tem mesmo de ser adaptada à catástrofe climática, a enfermagem tem um papel fundamental. Os enfermeiros e as enfermeiras são profissionais respeitados. Muitas vezes, são o primeiro ponto de contacto com o ecossistema de saúde e têm uma visão privilegiada sobre as reais necessidades em saúde da comunidade. A pandemia demonstrou-o bem, mostrando que a enfermagem é uma prática complexa, baseada na melhor evidência científica, e que é possível desenhar a prestação de cuidados colocando mais responsabilidades na enfermagem. O compromisso das enfermeiras e enfermeiros com os utentes dos serviços foi infindável. A pandemia destapou também a falta de recursos adequados, tanto humanos como materiais, e também certas falhas de preparação para enfrentar desafios como este.
Apesar desta maior consciência, a enfermagem continua excluída dos lugares de decisão. A nível mundial, é a profissão com menos elementos na gestão de topo em saúde, tanto a nível estratégico como político. Portugal não escapa a este fado.
Durante a pandemia, também observamos várias vezes a Diretora-Geral de Saúde ao lado da ministra da área. Nunca tivemos a oportunidade de ver o Chief Nursing Officer. O que não é de estranhar, uma vez que o cargo está livre há demasiado tempo e foi alvo de reduzida importância e autonomia. Um estudo recente do International Council of Nurses indica que apenas metade dos países possuem esta posição preenchida. Para percebermos o caminho que temos pela frente: a Nova Zelândia foi o primeiro país a criar este cargo, nomeando a enfermeira Grace Neill em 1895!
Enfermagem é ciência e arte. Requer inteligência, conhecimentos, competências e uma formação de qualidade. Só através de um investimento nos profissionais de saúde como um todo, e na enfermagem em particular, conseguiremos relançar o SNS, atingindo o objetivo de uma verdadeira cobertura universal de qualidade e redução das desigualdades em saúde.
Porque todos contam, os enfermeiros devem posicionar-se como líderes na saúde, não apenas assumir papéis operacionais. A melhoria da qualidade e do acesso aos cuidados de saúde precisa de nós. Vamos dar a resposta necessária!
* Enfermeiro. Candidato a Bastonário da Ordem dos Enfermeiros
IN "NOVO" -03/10/23.
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