30/01/2023

JOÃO GONÇALVES

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Os camarlengos portugueses
e o Papa

Francisco tende a explicar-se muito "par délicatesse", mas sabe tão bem como os seus predecessores que não existe doutrina da Igreja sem dogma.

E quando subsistem dúvidas ou hesitações por causa da correcção política - que ele habituou mal nestes dez anos de pontificado -, clarifica a doutrina milenar, como, aliás, lhe compete. Falemos das Jornadas Mundiais da Juventude que se realizam em Lisboa na primeira semana de Agosto. Desde logo, e vejo isso pouco sublinhado, as "jornadas" são católicas.

Quando foi anunciado, em Janeiro de 2019, que as próximas seriam aqui, o regime todo, desde o quarto de hotel de onde Marcelo celebrou histericamente a escolha, até ao Estado laico representado pelo então Governo da "geringonça", passando pelo magnífico edil Fernando Medina, o regime, dizia, imolou-se imediatamente no altar das "jornadas", repito, católicas. Para o efeito, apareceram uma série de camarlengos do regime para deitar as fundações da coisa ao chão.

O Governo nomeou o não menos magnífico José Sá Fernandes, avençado até 2024 em 210 mil euros, e as câmaras de Lisboa e de Loures empenharam (sobretudo a primeira) dezenas de milhões de euros no exercício. Como de costume, e a cento e oitenta dias do evento, as "jornadas" polemizaram-se sobretudo por causa das empreitadas com altares, entregues à construtora Mota Engil. Os valores, pornográficos, arrebitaram o jacobinismo latente nas elites e na comunicação social, dando quase origem a uma nova "questão religiosa", tão ao gosto da ditadura laica e republicana do doutor Afonso Costa.

Outros, como Carlos Moedas e a própria Igreja portuguesa, desfizeram-se em mesuras, desculpas e contrições, indo agora juntar-se todos para "estudar" melhor o assunto do qual, e bem, o Vaticano lavou as mãos. Francisco, tão adorado pelos "tempos", foi afinal descoberto como Papa que é e, logo, criticado por assumir a doutrina. Para tornar tudo ainda mais miseravelmente amoral, juntaram a uma "unidade de missão para as jornadas" empresários de espectáculos musicais, e outros, a pensar no "retorno" e no "investimento".

Ignoram, todos, que precisamente no momento em que Jesus é escarnecido na cruz, realiza-se a destruição do templo dos vendilhões. E forma-se o novo templo, o altar, se quiserem, que é o próprio Ressuscitado. "No fim da Paixão, com a morte de Jesus, o véu do templo rasga-se em dois, de alto a baixo, e emerge a própria realidade: Jesus crucificado que nos reconcilia a todos com o Pai". Ratzinger/Bento XVI deixou-o bem claro na "opus magnum" sobre Jesus da Nazaré: "a cruz é o Seu trono de onde atrai o Mundo a Si". Não é ao contrário. As "jornadas" ou serão isto, ou não serão nada.

* Jurista

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS" - 30/01/23.

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