19/02/2021

BRUNO FARIA LOPES

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De Passos Coelho a Cristiano 

Ronaldo: os 47 textos "tolos" 

do novo Presidente do Constitucional

As crónicas que João Caupers publicou entre 2010 e 2014 oferecem uma rara viagem pela cabeça tendencialmente iliberal do novo presidente do mais alto tribunal do país. A SÁBADO faz-lhe o resumo.(VER NO FIM)**

"Vocês compreendam, há que pagar a massa que aqueles tipos – sabem, o Costa, o Loureiro, o Lima e outros espertalhões, aqueles que foram do Governo e apareciam na televisão – gastaram, para poderem pagar aos amigos juros de mais de 100% ao ano, comprar casas de seis milhões de euros, encomendar BMWs à medida e outras habilidades". Podia ser um comentário na internet a uma notícia de um jornal, mas não é. Assim escrevia, em Dezembro de 2011, o então professor catedrático João Caupers sobre a origem do endividamento do Estado português, na altura no início de um duro resgate financeiro. A passagem que simula um diálogo faz parte de uma das 47 crónicas que Caupers assinou num espaço de opinião da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, entre 2010 e 2014 – um conjunto de "textos graves e amargos, uns, ligeiros e tolos, outros", nas palavras do próprio, que permite a rara oportunidade de passear pela cabeça do novo presidente do mais alto tribunal do país, o Tribunal Constitucional.   

O fogo intenso sobre "os políticos" e "os economistas" domina a maior parte das suas crónicas escritas em tom ácido, nas quais não fez reféns – às vezes de forma mais explícita. "Já perdemos a cabeça algumas vezes ao longo da nossa história. E o que fizemos? Bom, num certo momento, atirámos um tal Miguel de Vasconcelos pela janela", escreveu em 2013, em plena crise económica. Os textos cobrem praticamente todo o período do programa da troika – Passos Coelho e a "senhora Merkl (sic)" são alvos frequentes – e sugerem um pensamento iliberal na economia e nos costumes. A segunda parte, em particular um texto com a sua opinião sobre o lugar dos homossexuais na sociedade, valeu ao presidente do Tribunal Constitucional atenção mediática e críticas nos últimos dias.

O João Caupers cronista até poderia gostar da polémica – os textos destinavam-se a "provocar e agitar a pequena comunidade académica", escreveu em 2014 – mas o João Caupers Presidente do Tribunal diz hoje ao Expresso que, como provocações que eram, os artigos não reflectem "necessariamente as suas ideias". A SÁBADO leu todos e faz-lhe um breve resumo, organizado por tópicos: costumes, economia, atitude perante os políticos, costumes, o papel do Tribunal Constitucional e ódios de estimação. Caupers está no Constitucional desde 2014, instituição de que passou a ser vice-presidente em 2016 – foi eleito no início do mês, pelos seus pares, Presidente do tribunal.

Costumes: "Mamã, mamã, obriguei os gajos a fazer um referendo!"

Em 2014, o Parlamento aprovava o referendo à adoção e coadoção por casais do mesmo sexo. O projecto de resolução viera da bancada do PSD e tinha o deputado Hugo Soares, presidente da juventude laranja, como primeiro proponente – João Caupers não lhe perdoou essa veleidade. "Puseram-lhe o nome de Hugo. Escolha do padrinho, influência familiar, talvez apreço por Vítor Hugo, quem sabe", começou. "Na Assembleia da República não se distinguiu especialmente. Pode dizer-se até que passou despercebido. Como muitos outros. Até que um dia chegou o momento de glória por que ansiava. Entrou de rompante em casa dos pais: Mamã, mamã, obriguei os gajos a fazer um referendo!", escreveu.

Caupers ironiza, depois, sobre a matéria do referendo. O parágrafo completo: "E é um referendo sobre quê, perguntou a mãe, intrigada. Olha, é sobre aquelas crianças que precisam de uma mãe – que até pode ser pai – ou de um pai – que até pode ser mãe. Não é bem isto, é sobre aquelas crianças que precisam de uma mãe, porque não têm pai. Ou precisam de um pai, porque não têm mãe. Ou são filhos de viúvos. Ou são órfãos. A mãe olhava para ele com crescente perplexidade. Não sei bem explicar-te do que se trata. Mas o que importa é que, graças a mim, mais de seis milhões de portugueses vão votar. Claro, a Assembleia cobriu-se de ridículo, mas isso são os danos colaterais da democracia!".

O conservadorismo de João Caupers em matéria de valores não vem de um eventual catolicismo, que diz não habitar nele – "se eu fosse crente, escreveria agora ‘Deus tenha piedade de nós"! Mesmo não sendo, estou tentado…", atirou num típico texto arrasador dos políticos (veja mais à frente). Mas é real. O agora Presidente do Constitucional assumiu não gostar do ativismo à volta das causas fraturantes. O DN recordou a crónica em que Caupers fala do "muito mau gosto" dos cartazes da Câmara de Lisboa, que "a pretexto da luta contra a discriminação" acabam, segundo o autor, "promovendo a homossexualidade". No mesmo artigo diz que "os homossexuais [lhe] merecem o mesmo respeito que os vegetarianos ou os adeptos do Dalai Lama".

Em 2018, quatro anos depois de ter entrado no TC, Caupers votou com a maioria dos colegas pelo chumbo do diploma das "barrigas de aluguer". Na declaração de voto deixou claro que a reprodução humana é um assunto demasiado sério para ficar na dependência de manipulações tecnológicas de consequências imprevisíveis" – e que "diga o Direito o que disser, a concepção de uma criança sem pai é tão absurda como a de uma criança sem mãe".

Economia: "Os mercados, esses demónios ao serviço do capitalismo"

A maior parte das crónicas escritas por João Caupers são críticas ao programa da troika, aos economistas, ao "neoliberalismo", aos "mercados". O ponto de partida é uma desconfiança grande sobre a classe dos economistas e uma aversão indisfarçável à matemática. "Tal como um antigo primeiro-ministro português, não tenho uma grande vocação para os números", escreveu em 2013, numa crónica dirigida à influência nefasta do sistema financeiro.

Sobre os economistas não tem nada de bom a dizer. "Parece que ainda existem portugueses que não entenderam – creio que só pode ser défice de inteligência ou de vontade, já que não é, seguramente, falta de informação – que o Tribunal Constitucional é um tribunal, um órgão de aplicação do direito, encarregado de vigiar o cumprimento da mais importante de todas as nossas leis, a Constituição. É por isso que o Tribunal é composto exclusivamente por juristas", explicou em 2013. Depois, numa nota de rodapé juntou isto: "Caso fosse composto por economistas seria seguramente muito mais tolerante para com os abusos e ofensas à lei fundamental, já que estes os preocupam muito menos do que as percentagens dos défices e os buracos da banca".

O fracasso das previsões dos economistas durante os anos piores da crise portuguesa – em particular 2012 e o início de 2013 – não passaram despercebidos ao catedrático de Direito. "A única utilidade das previsões dos (macro)economistas consiste em fundamentar a tomada de boas decisões nas grandes questões políticas e económicas que condicionam o nosso futuro. Se não são capazes de fazer isso, então não servem para nada. Vou começar a ler os signos. As previsões dos astrólogos parecem-me agora mais fiáveis do que as dos economistas", escreveu em 2013.

Para Caupers, a crise das dívidas soberanas da zona euro foi "inventada" pelos magos da finança internacional – sobre estes considera que o inventor dos CDS [instrumentos derivados que servem de seguro contra o incumprimento de crédito e que estiveram no epicentro da crise de 2009] causou mais danos ao mundo do que o inventor da bomba atómica".

Em 2011, o Estado português perdeu o acesso ao financiamento no mercado de dívida, ao qual recorre para financiar os défices e fazer rolar a dívida que se vai vencendo. Nos seus textos, além dos financeiros e dos economistas, Caupers zurze em tom provocador sobre o que considera serem os outros responsáveis pela crise europeia e portuguesa: os políticos que querem "pagar aos amigos juros de mais de 100% ao ano, comprar casas de seis milhões de euros, encomendar BMWs à medida e outras habilidades"; a Alemanha da "senhora Merkl (sic)" de que Caupers não consegue esquecer o papel de protagonista na "destruição da Europa" por três vezes em 150 anos; e o governo PSD/CDS, que executou e foi renegociando, com escassa margem, o memorando negociado inicialmente, com margem ainda menor, pelo PS.

Os mercados de dívida soberana – onde o Estado português, como outros países, se financia – eram vistos pelo jurista como uma boa parte da opinião pública (e publicada) os via: como "demónios, ao serviço do capitalismo global". Recorrendo de forma irónica à febre de Hollywood por filmes de zombies, Caupers escreve que, "depois de puxar muito pela cabeça", concluiu que "os zombies constituem uma metáfora neo-liberal sobre os desempregados que o capitalismo global produz aos milhões".

Economia: "A escalada da guerra ao funcionário público continua"

O posicionamento feroz de João Caupers contra a austeridade não significa que fosse contra a reforma do Estado. Numa perspetiva de longo prazo, Caupers apontava em 2013 que "avulta o repensar das funções do Estado, mediante uma análise rigorosa e sem preconceitos: (a) daquilo que o Estado faz actualmente, (b) do proveito que isso representa para a comunidade, (c) das alternativas eventualmente existentes (privatizações, concessões, mas também abandono de tarefas de utilidade social duvidosa), (d) dos custos, sociais e económicos de tais alternativas, (e) das poupanças esperadas por referência à despesa pública primária e ao produto bruto nacional". Neste plano, o hoje presidente do TC parecia ser a favor da regionalização ou, pelo menos, da reavaliação dos seus méritos.     

No plano laboral, Caupers admite que a ideia dos "direitos adquiridos" é "bela", mas "ilusória". "Porque as leis que proíbem o despedimento sem justa causa não geram o dinheiro necessário para pagar as remunerações dos trabalhadores de uma empresa que não consegue vender aquilo que produz", escreveu em Abril de 2011. Esta admissão para o sector privado contrastava, contudo, com as críticas contundentes de Caupers às medidas de corte de rendimentos dos funcionários públicos e dos pensionistas.

"A escalada da guerra ao funcionário público continua e intensifica-se. Os patéticos argumentos com que a justificam não conseguem esconder a clara e simples verdade: o Governo espreme-nos, espolia-nos e esmaga-nos porque estamos "mais à mão", porque é mais fácil e rápido, porque nos considera gasto e não recurso, porque não temos para onde ir, porque, se morrermos, tanto melhor – poupa em salários sem aumentar a despesa da segurança social. Trata-nos como os inúteis descartáveis que acha que somos. Uma verba avultada do lado da despesa, a reduzir a todo o custo. A continuar assim, talvez não venha longe a escravatura e um dia, quem sabe, o extermínio. Só se não encontrarem alternativa, é claro", escreveu em 2011. 

Na fase inicial do programa da troika Caupers, funcionário público, escreveu mais do que uma vez sobre a "injustiça" de os cortes salariais da função pública – "fomos espoliados do nosso subsídio de férias e do nosso subsídio de Natal, em condições que todos conhecemos, para o Estado poupar dinheiro, disseram-nos" – se concentrar nos trabalhadores do Estado. "Aquilo que nenhum patrão poderia fazer, fá-lo-á, sem mostrar embaraço, o Estado patrão. Sem outra justificação que não esse desiderato insustentavelmente leve e duvidosamente eficaz de convencer os "mercados"". Sobre os pensionistas são várias as referências à inviolabilidade dos seus direitos adquiridos.

O Constitucional contra o "neoliberalismo saloio"

Com todas estas posições não admira que João Caupers defendesse a linha dominante entre os juízes do Tribunal Constitucional, que chumbaram várias medidas de austeridade do Governo, dirigidas a funcionários públicos e pensionistas, durante o período da troika. "Ora, a verdade é que o Tribunal Constitucional se vem corajosamente assumindo como o que resta aos portugueses para tentar resistir aos abusos de uma desgraçada política de empobrecimento e destruição, executada pelo neoliberalismo saloio de tolos e incompetentes, ao serviço da usura internacional", escreveu em 2013.

Esta via de argumentação é importante porque sugere que o agora presidente do Constitucional não descarta um protagonismo ativista para a instituição – isto apesar de num dos textos criticar o então representante português na Comissão Europeia ("que bem mereceria o epíteto de ‘tecnocrata apátrida’"), que acusara precisamente o TC de ativismo político. Outra passagem de uma outra crónica – de 2012, o ano mais duro da crise – é ainda mais clara.

"Convirá, porém, que os que em nós mandam tenham em conta que a existência do Tribunal Constitucional, bem como de outras instâncias de controlo que se querem livres e independentes, não é apenas uma exigência do Estado de direito: trata-se de instrumentos que, condicionando desejavelmente o poder, veiculam as angústias, as frustrações, o descontentamento dos cidadãos, no quadro do mesmo Estado de direito", escreveu.

"Os políticos que nos desgovernam há muito"

Naqueles anos, a visão de João Caupers sobre a classe política que lidera outros órgãos de soberania era exposta em termos claros. "A ideia com que se fica é que a 'classe política' é essencialmente constituída por uma fatia subqualificada de portugueses que, não tendo inteligência, nem capacidade, nem competências para mais nada, encontraram na arena política (o uso da palavra 'arena' é, neste contexto, particularmente elucidativo…) o único lugar em que podem sobreviver e prosperar – e, se forem 'espertos' e empenhados no trabalho de networking, garantir um emprego acima das suas capacidades depois de abandonarem a política activa. Os outros, que sabem, podem e querem exercer uma actividade profissional ou empresarial, esses estão 'noutra', fazendo pela vida noutros palcos", escreveu em 2011.

A responsabilidade deste estado de coisas? É de quem abdicou de intervir, diz Caupers – mas intervir, no jogo da política visto pelo jurista, é um mar de chatices. "Não quisemos desperdiçar noites em reuniões partidárias maçadoras; não quisemos consumir os dias de cada campanha eleitoral viajando desconfortavelmente milhares de quilómetros pelo País para ouvir sempre os mesmos slogans imbecis, acompanhados de música pimba e pastéis de bacalhau; não quisemos marcar presença em tomadas de posse e velórios de gente que não nos dizia nada; não aceitámos dividir o mundo entre nós, os "bons", e os outros, os "maus", os dos outros partidos", explica.  

Num texto de 2012, diz com ironia ter escolhido o tema a que iria dedicar o seu próximo "projecto de investigação": a "legítima defesa proativa". "De que se trata? De estudar a melhor forma de correr com eles, antes que acabem connosco". Nesta altura "os políticos"" eram o Governo de Passos Coelho e de Paulo Portas, "esta gente [que] perdeu por completo a noção de serviço público", "iludida por decrépitos mitos neoliberais". Passos foi um dos ódios de estimação de Caupers, que do ponto de vista económico está longe da versão mais liberal do PSD. Em 2014, João Caupers participou numa ação do PS, "Novo Rumo", ainda na era de António José Seguro – e antes de ter sido cooptado, em Março, para ser juiz conselheiro do Tribunal Constitucional.

Ódios e irritações: Passos, Relvas, Mexia e CR7

Algumas pessoas merecem tratamento especial de Caupers. Na política, Passos e Portas parecem ser o alvo de uma fábula – são o burro e o rato – e estão na mira de alguns dos textos mais violentos, os autores do "neoliberalismo saloio de tolos e incompetentes". Numa altura de tensão na sociedade portuguesa, Caupers nem sempre se temperou ao referir-se aos membros do Governo. "Dizemos mal da nossa vida, queixamo-nos do café, mas conformamo-nos", escreveu em 2013. "Mas já perdemos a cabeça algumas vezes ao longo da nossa história. E o que fizemos? Bom, num certo momento, atirámos um tal Miguel de Vasconcelos pela janela", atirou. Vasconcelos, que ocupava precisamente a pasta equivalente à das Finanças na parte final da dinastia Filipina, acabou assassinado no 1º de Dezembro de 1640 e atirado da janela para o Terreiro do Paço.

Na política, Miguel Relvas teve também direito a tratamento especial. Comentando dois episódios em que o então ministro Relvas foi visado por manifestantes que o impediram de falar – uma no Clube dos Pensadores, outra numa faculdade – Caupers soltou a pena. "A sua presença no tal clube de pensadores é intrigante – a menos que os próximos convidados sejam a Teresa Guilherme ou o Jorge Jesus", apontou. "Por outro lado, depois das alegadas interferências no trabalho jornalístico de um conhecido diário e das peripécias da privatização (?), venda (?), concessão (?) da RTP, convidá-lo a falar sobre comunicação social é assim como convidar o Oliveira e Costa para uma conferência sobre ética financeira", juntou.  

Outro ódio de estimação era o então presidente da EDP, António Mexia, "esse lídimo representante do capitalismo ‘nacional’, no que ele tem de mais reles". Quando Mexia criticou um dos primeiros chumbos do Constitucional às medidas de austeridade, Caupers não perdoou. "Montado no seu salário de vários milhões de euros por ano, o mandatário do patrão chinês da EDP permitiu-se criticar o Tribunal Constitucional, considerando que as suas decisões (referia-se ao justo e merecido tratamento dado aos sucessivos orçamentos de Estado apresentados pelo actual governo) não tiveram em conta o ‘contexto’", disparou. Meses antes, ao mesmo tempo que elogiava o secretário de Estado demissionário Henrique Gomes (que saiu com estrondo denunciando a influência de Mexia para travar medidas contra as rendas excessivas), Caupers sentenciara: "Graças a Henrique Gomes decidi que a primeira coisa que farei num mercado liberalizado de energia é deixar de comprar um único quilovátio à EDP".

Nem Cristiano Ronaldo escapa à caneta de Caupers. Em Outubro de 2013, a seleção nacional de futebol tinha acabado de empatar a três bolas com a inferior equipa de Israel, falhando o apuramento directo para o Mundial do ano seguinte. O jurista admite não perceber de futebol, mas lembra que ao longo da sua vida a seleção teve tipicamente maus resultados. "Não me espanta, por isso, a sua actual mediocridade: é apenas o regresso à normalidade", apontou. "De resto, que se pode esperar de uma equipa integrada por três grupos de jogadores: a) Os que talvez tenham sido bons (mas, hélas, já não são); b) Os que poderiam ter sido bons (se…); c) Os que, provavelmente, nunca virão a ser bons. Ah, claro, mais o Cristiano Ronaldo, a supervedeta, mais embirrante do que eficiente".

"Que raio se ensina nos cursos de jornalismo?"

Os media e os comentadores que alberga são outro dos alvos frequentes da ira, desprezo e desconfiança de João Caupers. "Em Portugal (…) opina-se não com base em quaisquer elementos minimamente racionais e razoáveis, nomeadamente sistémicos", denuncia. Noutra crónica afirma, sem ironia, que "o medinacarreirismo [numa farpa a Medina Carreira] é uma das toxinas produzidas pelos nossos media. Não é a única nem, seguramente, a mais nociva. Mas causa profunda irritação – mais no cérebro do que na pele. Caracteriza-se pela presunção, supostamente inilidível, de superioridade intelectual e moral, pela desconsideração dos adversários, pela displicência argumentativa".

Mas nada o deixou mais irritado com os media do que a cobertura em 2011 do assassinato de Carlos Castro por Renato Seabra, num hotel de luxo em Nova Iorque. "É para isto que serve a informação televisiva, incluindo a do canal público que nós pagamos: para preencher o espaço deixado vago pelo desaparecimento do jornal O crime. Desculpem o desabafo: a informação televisiva tem mesmo de ser esta espécie de teledifusor de lixo? Que raio se ensina nos cursos de comunicação e de jornalismo?". Para o professor de Direito a história nem era praticamente história – "estavam, pois, bem um para o outro", resumiu sobre a relação entre Castro e Seabra – muito menos coisa para abrir telejornais dias a fio. Vícios dos media, "lambendo os beiços com a sordidez da história, muito melhor do que o criador de qualquer reality show poderia inventar".

* Jornalista

** CRÓNICAS DE JOÃO CAUPERS

IN "SÁBADO" - 18/02/21

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