28/12/2019

ANA SARTÓRIS

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Saúde a Sul: 
Quem cuida das nossas crianças?

Um pouco por todo o país são diversos os episódios de carência, estando as áreas de obstetrícia e pediatria particularmente defraudadas, com necessidade de transferências interhospitalares de grávidas para fora da área de residência, incluindo para hospitais em Espanha.

O desinvestimento no setor da saúde tem trazido sérias consequências para a capacidade de resposta, atempada e de qualidade, das diversas instituições públicas de saúde, cujo funcionamento está assente numa dedicação intensa de todos os seus profissionais, os verdadeiros pilares do Serviço Nacional de Saúde.

Um pouco por todo o país são diversos os episódios de carência, estando as áreas de obstetrícia e pediatria particularmente defraudadas, com necessidade de transferências interhospitalares de grávidas para fora da área de residência, incluindo para hospitais em Espanha.

Os últimos anos têm-se caraterizado pela perda de valências no Hospital Garcia de Orta, de forma mais ou menos declarada, mas sempre assente na falta de profissionais de saúde que assegurem os serviços, espelhando, bem, o desinvestimento a que os serviços públicos têm, de facto, vindo a ser dotados.

A área da pediatria é ímpar exemplo e configura realidade deveras preocupante já que aquele hospital é(era) unidade de referência para todo o sul do país, nomeadamente no que concerne, entre outros, a cuidados intensivos (neonatais e pediátricos) e neuropediatria.

A margem sul do Tejo aguarda pela construção de um novo hospital há mais de uma década, adensando-se a incapacidade de resposta das suas unidades hospitalares. Nos últimos anos, devido a sobrelotação, repetiram-se as comunicações de constrangimentos e mesmo de encerramento temporário dos Serviços de Urgência Geral do Centro Hospitalar Barreiro-Montijo e do Hospital de São Bernardo, sem esquecer as respetivas Urgências Obstétricas e Urgência Obstétrica do Hospital Garcia de Orta. A título de exemplo, em apenas três dias da semana passada, três serviços de urgência comunicaram que não podiam receber doentes instáveis (Urgência Geral do Centro Hospitalar Barreiro-Montijo, a partir das 19h de dia 10/12 e a partir das 16h30 de dia 11/12) ou grávidas (Urgência Obstétrica do Hospital de São Bernardo, das 21h de dia 09/12 às 09h do dia seguinte).

Os constrangimentos e sobrelotação resultam na incapacidade daqueles hospitais receberem doentes em situação crítica, obrigando à referenciação para outras unidades hospitalares e, nessa medida, atrasando a resposta para tratamento e incrementando a afluência aos restantes centros hospitalares da cidade de Lisboa.

O encerramento noturno da Urgência Pediátrica do HGO era ameaça prolongada, ante a incapacidade de fixação de pediatras. Não se pense que a fuga maior é para o setor privado... ao longo dos anos, e não poucas vezes, as administrações foram deixando escapar os profissionais formados nos seus serviços para outras unidades hospitalares do Serviço Nacional de Saúde. Acresce ainda a efetiva falta de enfermeiras e enfermeiros, cuja carência leva ao permanente recurso à figura das “horas extraordinárias” como forma de supressão das necessidades e que já levou, em tempos, ao encerramento da Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos (UCIP). A falta de profissionais de saúde, pediatras e enfermeiros, é tanto mais grave quando aquela UCIP é a única a sul do país, admitindo a criança gravemente doente proveniente desde Almada até Faro, servindo os distritos de Setúbal, Évora, Beja e Faro.

A circunstância de falta grave de pediatras no HGO dura há mais de um ano, não tendo havendo mesmo qualquer candidato ao concurso efetivado então para colmatar a carência. A Ministra da Saúde anunciou agora novo concurso, ficamos a aguardar os seus resultados, sendo certo que, até lá, são os profissionais dos Cuidados de Saúde Primários de Almada e Seixal a garantir, por via de horas extraordinárias e não sendo estes especialistas em pediatria, o atendimento até à meia-noite.

Aos profissionais de saúde não é possível exigir mais! Urge uma resposta política consentânea com as necessidades dos utentes, com particular destaque para a população pediátrica, cujas medidas se exigem permanentes para garantir o acesso universal de qualquer criança à unidade de saúde mais adequada à sua condição clínica. Menos que isto é, seguramente, pôr em risco o futuro do país.

* Enfermeira na Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais do Hospital de Santa Maria

IN "ESQUERDA"
24/12/19

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