16/09/2019

FRANCISCO LOUÇÃ

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Habitação pelo PS: 
pela conta morre a promessa

Costa não cumprirá sequer um quarto do objetivo que anuncia no programa eleitoral, por mais pomposa que seja a promessa de “erradicação de todas as carências” habitacionais até à última badalada do 50.º aniversário do 25 de Abril.

Foi preciso chegarmos ao fim da primeira semana de setembro para que o PS apresentasse quatro paginazinhas com uns cálculos sobre o seu programa eleitoral, o que tinha sido mantido no segredo dos deuses. Depois das contas exaustivas apresentadas há quatro anos, este silêncio, só interrompido pela pressão da comunicação social e seguido de uma divulgação limitada de alguns dos cálculos, indica de algum modo a preferência do Governo, querendo evitar o escrutínio da maior das evidências: pouco pretende acrescentar ao desolador Programa de Estabilidade e Crescimento apresentado a Bruxelas. Mas, talvez pior, algumas das poucas promessas são inviáveis.

Começo hoje por uma delas, a que diz respeito à habitação, por sinal um dos problemas mais importantes da vida social portuguesa.

Qual é então o problema da habitação? Será uma conjugação tóxica de pobreza, que vitima famílias que não têm casa, com gentrificação, que expulsa famílias para as periferias e esvazia as cidades, transformadas em Disneylândias para o turismo, e com uma atuação implacável de um mercado construído sobre a financeirização e desigualdade social, que faz disparar os preços e restringe o arrendamento. Se assim for, começar a resolver o problema da habitação exige um investimento elevado para aumentar a oferta, fazer baixar os preços do arrendamento, repovoar as cidades e restabelecer vida social local.

Ora, o programa eleitoral do PS tem “uma meta muita clara: erradicar todas as carências habitacionais até ao 50.º aniversário do 25 de Abril, em 2024” (pg. 79). Erradicar todas as carências, uma linda proposta, mas nada de explicar como se dá o milagre. Agora, o tardio estudo de “Impacto Financeiro” diz que isto será conseguido pela disponibilização de 25 mil fogos. Para definir esse objetivo, baseia-se no estudo do oficialíssimo Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana, “Levantamento Nacional das Necessidades de Realojamento Habitacional”, de fevereiro 2018 (pp. 51-2), que regista 25.762 famílias com necessidades habitacionais. Calcula o IHRU que resolver o problema, com uma conjugação de apoios para a compra de casa, arrendamentos, reabilitação e construção, custará 1.501.447.923,56 euros. Este é portanto o cálculo do Governo, cerca de 1501 milhões.

É discutível se isto “erradicaria todas as carências”, pois as carências não são só de quem não tem casa ou tem casa muito degradada, mas também dos jovens que querem sair de casa dos pais e não têm como pagar um aluguer, ou de quem vai trabalhar para outra cidade e não pode alugar habitação. Mas para o PS o valor exorbitante das rendas não é aqui relevante, só interessa a necessidade extrema. Ora, a sua proposta de investimento para quatro anos nesta área, no tal papelinho entregue aos jornalistas, é de 600 milhões. Então, a conta não bate certo, faltam 901 milhões, segundo o próprio cálculo do Governo. O que Centeno disponibiliza não chega para metade do que Costa promete aos eleitores.

Além disso, no debate com Catarina Martins, António Costa questionou os cálculos do IHRU (em que se baseia o seu próprio programa) e sugeriu que o preço médio por fogo poderia ser de 113 mil euros, a partir de um exemplo de construção em Almada (a comparação é estranha, dado que o IHRU não propõe que os 25 mil fogos sejam só de construção, apresentando antes cálculos para uma grande maioria de habitações a reabilitar). Em todo o caso, se Costa eleva o seu valor de referência, as mesmas 25 mil habitações custariam mais de 2900 milhões, nos seus novos cálculos. E então faltam-lhe 2300 milhões, Centeno só lhe dá 600. Assim, o que nos está a dizer é que não cumprirá sequer um quarto do objetivo que anuncia no programa eleitoral, por mais pomposa que seja a promessa de “erradicação de todas as carências” habitacionais até à última badalada do 50.º aniversário do 25 de Abril. Essa promessa não vai ser cumprida.

A proposta de habitação do programa do PS é falsa.

* Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.

IN "EXPRESSO.PT"
10/09/19

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