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IN "SÁBADO"
09/07/19
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A corrupção e
os processos arquivados
O procurador do processo Apito Dourado solicitou que lhe fosse disponibilizada uma viatura automóvel, pois necessitava da mesma para a investigação. A resposta foi a atribuição de um passe de acesso aos transportes públicos...
No último fim-de-semana foi noticiado que o Ministério Público só
acusa 6 % dos processos em que se investiga a criminalidade
económico-financeira.
Qual a razão para uma tão elevada taxa de arquivamento?
As causas são múltiplas.
Em primeiro lugar, o Ministério Público é criterioso nas acusações que deduz.
De
acordo com o Código de Processo Penal, somente os casos em que existam
elementos de prova seguros deverão levar à formulação de uma acusação.
Para
o Ministério Público acusar alguém necessita de alicerçar os factos que
alega no depoimento de testemunhas, na existência de documentos ou
perícias.
Quantas vezes os magistrados chegam ao final de uma
investigação e ficam com a convicção que alguém cometeu um determinado
crime, mas não existem elementos concretos que permitam a acusação e
subsequente condenação.
Esta triagem é crucial para o bom
funcionamento da Justiça, pois somente os casos que possuem viabilidade
seguem para as fases processuais seguintes, designadamente para
julgamento.
Há muitas denúncias que são completamente infundadas.
O
Ministério Público é uma magistratura autónoma que dá aos cidadãos a
mesma garantia que os juízes na fase de julgamento, ou seja, os
critérios que levam à acusação ou arquivamento são legais e não assentam
em factores de oportunidade política.
Por outro lado, é preciso não olvidar que o crime de corrupção é de difícil investigação.
Como regra, neste tipo de investigação a colaboração de testemunhas ou arguidos é muito difícil.
O
seguimento do rasto do dinheiro é moroso quando o mesmo passa por uma
diversidade de empresas e indivíduos até chegar ao seu beneficiário
final.
Procurar o dinheiro implica percorrer um enorme labirinto
que passa muitas vezes por territórios estrangeiros e sociedades
offshore que se recusam a identificar quem são os seus verdadeiros
titulares.
Há uma verdadeira indústria internacional para
branquear os produtos dos ilícitos e muitos dos autores dos crimes de
corrupção recorrem a estes esquemas para ocultarem os seus proveitos.
Alguns países colaboram com a justiça portuguesa, mas demoram anos a responder às suas solicitações.
Veja-se
o caso da investigação ao Universo Espírito Santo. Ontem a
Procuradoria-Geral da República emitiu uma nota de imprensa em que
refere que a conclusão desse processo aguarda uma resposta das
autoridades suíças.
Por último e não menos importante, os constrangimentos de meios de quem investiga.
Há um notório défice de procuradores, inspectores da Polícia Judiciária e peritos.
O número de magistrados do Ministério Público é sensivelmente o mesmo que há 20 anos atrás.
No
entanto, face à sua dimensão e complexidade, é manifesto que as
investigações na área da criminalidade económico-financeira exigem
muitos procuradores.
O número de magistrados que investigam a
corrupção aumentou significativamente desde 2014, sendo estes retirados
de outras áreas.
Será que o Ministério Público poderá deslocar ainda mais procuradores para combater a corrupção?
A resposta é afirmativa, mas tem de ser bem ponderada.
A
instituição poderá deixar de investigar os crimes de violência
doméstica, de homicídio, de tráfico de estupefacientes, de incêndio ou
de violação para se se centrar só na corrupção? Parece-nos que não.
Por
outro lado, a Polícia Judiciária passa por um momento muito difícil que
compromete a sua capacidade de resposta, não obstante a boa vontade e
abnegação dos seus inspectores.
Quem observar a evolução do quadro
da PJ nos últimos 10 ou 15 anos observa uma queda abrupta do número de
inspectores, sendo certo que os processos no âmbito da criminalidade
económico-financeira são cada vez em maior número e mais complexos.
Acresce que as perícias contabilísticas, financeiras e informáticas demoram vários meses ou anos a ser concluídas.
Para
finalizar, importa também salientar alguns constrangimentos de ordem
material e burocrática que, por exemplo, passam pelo acesso a uma
viatura para realizar uma busca ou uma impressora a cores.
Um dos casos mais emblemáticos ocorreu há alguns anos.
O
procurador do processo Apito Dourado solicitou que lhe fosse
disponibilizada uma viatura automóvel, pois necessitava da mesma para a
investigação.
A resposta foi a atribuição de um passe de acesso aos transportes públicos...
Por forma a ultrapassar os constrangimentos, o procurador teve de utilizar o seu próprio automóvel…
IN "SÁBADO"
09/07/19
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