.
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
21/03/19
.
Literacia empresarial
A propósito do caso Mesquita Nunes, lembrei-me que talvez fosse útil a imprensa, nomeadamente a que se dedica a temas económicos, prestar alguma atenção ao esclarecimento do papel que o jovem advogado vai exercer na Galp - o de administrador não executivo.
Foi significativa a onda de comentários surgida na imprensa e nas redes
sociais, a propósito da entrada de Adolfo Mesquita Nunes para a
administração da Galp, com funções não executivas.
Um pouco de todo o lado - sem surpresa, de áreas da esquerda, mas,
curiosamente, também de setores da direita - emergiram críticas à opção
tomada pelo jovem advogado, reconhecidamente uma das personalidades mais
brilhantes da sua geração política. Se alguns desses comentários
relevavam da orfandade que a decisão suscitava no mundo da política em
que Mesquita Nunes se movimenta, da grande maioria dessas opiniões
emanou apenas um grosseiro viés preconceituoso.
A ideia
central, em alguns desses textos claramente expressa, foi a de que não
pode haver nenhuma outra razão, para além do exercício futuro da
atividade de lóbi ilegítimo e de tráfico de influências, que justifique
que uma empresa contrate para um cargo alguém que haja tido um percurso
político anterior. Nessa perspetiva, as empresas são tidas como meras
forças interesseiras, determinadas em explorar, à margem da lei e da
ética, todos os meios de possível influência. Que "bela" imagem do setor
privado português ressalta da nossa comunicação social!
Que
uma perspetiva deste género tivesse surgido na boca dos habituais
maluquinhos das teorias da conspiração, dos populistas do "eles são
todos iguais!", dos membros da brigada do "não é por acaso que", que
enchem o Facebook e as caixas adjetivadas de comentários, não seria
surpreendente. Mas que esta agressão reputacional, feita de suspeições
que descartam quaisquer provas, apareça subscrita pela pena de quem
defende os valores da economia de mercado não deixa de ser um pouco
bizarro.
E há ainda o outro lado, o dessas pessoas que se
dispõem a ir trabalhar para o setor privado. Considerar que essas
figuras, frequentemente com um percurso de vida e um comportamento
irrepreensível em todas as funções até aí desempenhadas, se transformam,
de um momento para o outro, por razões alegadamente venais, nuns
títeres dos grupos empresariais - sem ética nem moral nem personalidade
-, configura uma perspetiva insultuosa e altamente ofensiva.
Mas
não há e houve casos de gente que se comportou dessa forma? Claro que
sim, tal como continua a haver jornalistas a soldo, como existem
"ovelhas negras" em todas as áreas de atividade. Para controlar isso
existem as leis e os tribunais, único meio legítimo de sancionar, com
rigor, depois de devidamente provados, comportamentos incorretos ou
ilegais. Mas, sempre, separando o trigo do joio! Arruinar reputações por
mera estigmatização preventiva parece relevar mais de uma cultura
populista de inveja do que de uma legítima preocupação ética.
A
propósito do caso Mesquita Nunes, lembrei-me que talvez fosse útil a
imprensa, nomeadamente a que se dedica a temas económicos, prestar
alguma atenção ao esclarecimento do papel que o jovem advogado vai
exercer na Galp - o de administrador não executivo. Essa seria uma
interessante contribuição para a literacia do mundo empresarial.
Tenho
notado que é comum o desconhecimento sobre o que essa função representa
nas empresas contemporâneas. O surgimento, no seio dos conselhos de
administração, de personalidades que estão desligadas do dia a dia da
gestão é um modelo generalizado pelo mundo. O principal objetivo é
garantir que personalidades independentes, com perfis profissionais
reconhecidos e prestigiados, muitas vezes oriundas de setores de
atividade muito diversos dos das empresas que passam a integrar, possam
carrear para esses conselhos, à luz da sua experiência própria, uma
leitura distanciada e, desejavelmente, mais independente, ajudando as
empresas a absorverem perspetivas do exterior e, ao mesmo tempo,
fiscalizando a ação da gestão executiva, num terreno distinto da matriz
funcional dos conselhos fiscais. Os salários desses administradores não
executivos são sempre muito inferiores aos dos gestores profissionais
permanentes, premiando apenas a ocupação pontual do tempo de quem, em
geral, exerce outras atividades. É isto que deveria ser explicado, para
combater a demagogia e a má informação.
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
21/03/19
.
Sem comentários:
Enviar um comentário