16/11/2018

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HOJE NO 
"JORNAL DE NEGÓCIOS"
Bruxelas vai dar primeiro passo para
 abrir procedimento contra Itália

Uma fonte da Comissão Europeia disse à Reuters que, na próxima semana, o órgão executivo da União Europeia vai dar o primeiro passo com vista à abertura de um procedimento por défices excessivos a Itália.

Avisou e vai cumprir: a Comissão Europeia vai recomendar, na próxima semana, a abertura de um procedimento por défices excessivos (PDE) contra Itália, reacção à inflexibilidade demonstrada pelo Governo italiano que optou por não reformular o orçamento expansionista para 2019 que foi chumbado por Bruxelas.
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De acordo com a agência Reuters, que cita três fontes envolvidas no processo, quando na próxima quarta-feira, 21 de Novembro, o órgão executivo da União Europeia apresentar a avaliação feita aos orçamentos de todos os 19 países-membros da área do euro, irá recomendar que seja iniciado um PDE a Itália, um procedimento que poderá culminar com a aplicação de sanções à terceira maior economia da moeda única.
Esta recomendação da Comissão tem de ser aprovada pelo Conselho Europeu - ou seja, pelos próprios Estados-membros, sendo que alguns já o pedem - para que se seja efectivamente aberto o procedimento por défices excessivos que, em última instância, pode conduzir a sanções. Posteriormente, caso Bruxelas queira avançar com sanções também terá de garantir a aprovação do Conselho Europeu.

Não sendo ainda oficial a data, nesse mesmo dia 21, a Comissão deverá publicar um relatório referente à dívida pública transalpina, a segunda maior da Zona Euro (em torno de 131% do PIB italiano).

A confirmar-se aquela indicação, será a resposta de Bruxelas ao esboço orçamental enviado para a capital belga, na passada terça-feira, pelo executivo eurocéptico e anti-sistema de aliança entre o 5 Estrelas e a Liga. Perante o agravamento do défice ao longo dos próximos anos, aumento da despesa, deterioração do saldo estrutural e previsões económicas consideradas demasiado optimistas, a Comissão Europeia começou por pedir, ainda em Outubro, que Roma enviasse uma nova proposta orçamental.

Contudo, no novo esboço orçamental remetido para Bruxelas, o governo liderado por Giuseppe Conte manteve o essencial das metas e pressupostos orçamentais que suscitaram a inédita rejeição da Comissão. Ainda assim, a nova proposta reiterava o compromisso de intervir para assegurar que o rácio do défice face ao PIB não ultrapasse os 2,4% em 2019, sendo que a grande novidade consistiu na disponibilidade demonstrada alienar activos do Estado, nomeadamente património imobiliário, se tal se verificar necessário. Ideias que foram consideradas insuficientes pela instituição liderada por Jean-Claude Juncker.

Desde que começou a tornar-se evidente que haveria um braço-de-ferro entre Roma e Bruxelas a propósito das novas prioridades orçamentais de um governo assumidamente populista e crítico das regras que norteiam a Zona Euro, responsáveis como o comissário europeu para os Assuntos Económicos e o vice-presidente da Comissão com a tutela do euro, Pierre Moscovici e Valdis Dombrovskis, respectivamente, tinham já avisado para a possibilidade de virem a ser aplicadas sanções a Itália por incumprimento das normas previstas no Pacto de Estabilidade e Crescimento.

A pressão adensou-se esta semana com governos como o da Holanda e da Áustria a pedirem mão pesada em resposta à atitude confrontacional assumida pelo governo transalpino. O executivo holandês é mesmo o líder informal da chamada nova "liga hanseática", cujo intuito é pugnar pela ortodoxia financeira e rigor das contas públicas no seio do bloco do euro.
O braço-de-ferro entre Bruxelas e Roma: carta após carta
Foi no início de Outubro que começou a tensão entre a Comissão Europeia e o novo Governo italiano. Já eram conhecidas as intenções do Executivo do 5 Estrelas e da Liga, mas estas passaram ao papel com a apresentação do cenário macroeconómico ao Parlamento italiano, que mereceu a aprovação dos deputados.

Nessa fase já começavam a circular números e, consequentemente, pressões do lado europeu - os juros italianos já se ressentiam no mercado secundário. O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, perante as notícias, disse mesmo que o orçamento italiano poderia gerar uma crise idêntica à grega. Apesar de não estar na agenda do Eurogrupo desse mês, o tema dominou a reunião.

Dias antes da entrega da proposta do Orçamento do Estado para 2019, começa o confronto oficial com uma carta de Bruxelas. O Governo cedeu, mas muito pouco face às exigências: decidiu baixar a meta do défice de 2020 e 2021 dos 2,4% inicialmente projectados, o que foi interpretado como um "bom sinal" pelas instituições europeias.

A 5 de Outubro, o comissário europeu dos Assuntos Económicos, Pierre Moscovici, e o vice-presidente da Comissão Europeia para o euro, Valdis Dombrovskis, enviam uma carta a Roma onde referiam que o orçamento era uma "preocupação séria". O alerta foi feito, mas dez dias depois era ignorado: o Governo apresenta um défice de 2,4%, o que contrasta com os 0,8% prometidos no Programa de Estabilidade do anterior Executivo. Quando ao rácio da dívida pública, Itália prevê que este desça de 130,9% em 2018 para 130% em 2019, mantendo-se como a segunda maior da União Europeia.

Três dias depois, a Comissão começa a enviar cartas aos Estados-membros sobre o orçamento, mas Itália é o único país que leva realmente um puxão de orelhas. A carta referia que há um "desvio sem precedentes na história do Pacto de Estabilidade e Crescimento" no que concerne à consolidação das contas públicas. Em vez de assegurar uma correcção do saldo estrutural (exclui os efeitos do ciclo económico), a proposta italiana prevê uma deterioração de 0,8 pontos percentuais em 2019, o que representa uma diferença arredondada de 1,5 pontos face à recomendação de Bruxelas.

A Comissão mostrava ainda apreensão com dois outros factores: a dívida pública não se reduzir ao ritmo necessário e o optimismo à volta do crescimento económico numa altura em que a economia europeia está a desacelerar. A própria economia italiana, viria a ser divulgado mais tarde, estagnou no terceiro trimestre deste ano.

Na resposta, o Governo italiano reconhece que os objectivos orçamentais para o próximo ano não cumprem as regras do Pacto de Estabilidades da União Europeia, mas manteve todas as metas, mas prometeu intervir caso falhe as metas do défice e da redução da dívida pública. O Executivo garantia ainda que vai implementar reformas estruturais para impulsionar o PIB.

Um dia depois, chegava a decisão inédita: a Comissão Europeia recusa a proposta orçamental apresentada pelo governo eurocéptico italiano, considerando que a clarificação dada por Roma é insuficiente. Nunca desde a criação da Zona Euro uma proposta de orçamento havia sido chumbada pelo órgão executivo da União Europeia.

A recusa vem acompanhada de um pedido: Itália tem de rever o seu orçamento. O Governo tinha até dia 13 de Novembro para o fazer, mas desafiou Bruxelas e não mudou uma vírgula. Roma manteve o esboço do orçamento expansionista e só deu uma novidade, revelando a sua disponibilidade para avançar com a alienação de activos do Estado, nomeadamente património imobiliário, se tal se verificar necessário.

* Talvez este seja o 2º acto do fim da União Europeia.

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