Irá a eventual exploração de petróleo ao largo de Aljezur
resolver todos os nossos problemas? Não, não irá. A questão é saber se
queremos continuar atavicamente presos às mais retrógradas ideologias.
Conta-se a história de Salazar, então Presidente do Conselho de
Ministros, quando alguém, eufórico, lhe foi anunciar a descoberta de
petróleo em Angola, se ter limitado a comentar descorçoado: só me
faltava essa!…
Mudam-se os tempos, mudam-se as razões, mas há
atitudes que persistem imutáveis, atávicas, irredutíveis. Parece haver
petróleo comercialmente explorável ao largo de Aljezur? Maldição!…
Tocam-se
as trombetas, reúnem-se as tropas e ruma-se, seja lá onde for, ordeira e
ordenadamente, para tudo de imediato fazer parar, para que tudo
permaneça para todo o sempre quedo e mudo, em nome de uma vaga noção de
protecção da Natureza, de uma vaga noção de preservação de um suposto
idílico Éden e sacralização quase absoluta da deusa matéria e da
perfeita imobilidade.
Segundo os dados revelados, embora ainda
sujeitos a confirmação, ao largo de Aljezur poderão encontrar-se jazidas
passíveis de exploração comercial que poderão gerar entre mil 1 000 a
1 500 milhões de barris, recebendo o Governo Português 5% do respectivo
valor comercial nos primeiros 10 milhões e 7% na restantes produção, ou
seja, a preços actuais, um valor calculado na ordem dos 4 mil milhões de
euros, para além de outros proventos a receber por impostos a cobrar,
como o IRC, às respectivas empresas, como tem sido comummente relatado
nos meios de comunicação.
Tal como no passado ocorreu já em
relação à prospecção e possível exploração de gás natural ao largo do
Algarve, autarcas, novos hippies, os ingénuos úteis do costume e todos
quantos gostam sempre de seguir as multidões apenas pelo simples gosto
de seguirem qualquer multidão, muito bem capitaneados pelos novos
Ambientalistas de serviço, sempre de serviço, publicada a notícia, lá
vieram acentuar e contestar, uma vez mais, veementemente, a respectiva
prospecção e, mais ainda, a possível futura exploração, promovendo mais
umas quantas novas e muito ruidosas manifestações para gáudio de muitos.
Nós
nunca defendemos, de acordo, de resto, com a mais sábia e verdadeira
tradição Portuguesa, ser missão do Homem «tornar-se dono e senhor da
natureza», como determinado por Descartes, mas a argumentação
apresentada pelos novos e muito dedicados militantes Ambientalistas, em
grande medida pela razões aquijá explicadas, não pode senão fazer-nos
sorrir, no mínimo.
Como sempre, e mais ainda quando vivemos uma
época crescentemente dominada pelo império dos «afectos», não há como
tudo descer e simplificar de acordo com a mais infantil razão
dicotómica, colocando de um lado os mais altruístas paladinos da
Natureza, de coração puro e imaculado, tudo sacrificando ao mais supremo
bem do futuro e da Humanidade, e, do outro, o mais baixo e reles
capitalismo selvagem, os gananciosos de sempre, os absolutamente
incapazes de pensar em algo mais senão no interesse próprio e no mais
vil e imediato lucro financeiro, não sendo assim difícil saber e
estabelecer que lado escolher.
O mundo, porém, é um pouco mais complexo.
Vivemos
um momento de transição energética? Vivemos, mas mesmo que se
pretendesse acabar amanhã com o petróleo, seria materialmente impossível
por manifesta falta de alternativa, e não apenas pela gula das grandes
petrolíferas. A idade do petróleo irá terminar e passar como toda as
idades, mas além de ir ficar por aqui ainda por alguns anos,
inevitavelmente, do petróleo também não se extrai apenas gasolina,
gasóleo e fuel para os transportes e produção de energia, sendo ainda
importante em múltiplas outras áreas, incluindo, indirectamente, até a
cosmética ou mesmo a farmacêutica.
Devemos pugnar mais pela
produção alternativa de energia? Com certeza, mas mesmo a produção de
energia hídrica não deixa de ter os seus óbices, desde o problema da
erosão costeira pela retenção de sedimentos, até à eutrofização e
consequente produção de metano nas respectivas águas, assim como a
produção de energia eólica não deixa de provocar poluição visual e
sonora, para além de todos os efeitos negativos que poderá ter sobre a
fauna, assim como, mesmo sendo possível produzir energia de forma
alternativa para alimentar toda a frota mundial de veículos, não haver
actualmente nem capacidade ou sequer a quantidade necessária em terra,
tanto quanto se saiba, de determinados elementos minerais indispensáveis
à produção das correspondentes baterias.
O mundo é, de facto, um pouco mais complexo do que gostaríamos que fosse.
Numa
muito louvável atitude de precaução ambiental, decidiu Angela Merkel
terminar com as Centrais Nucleares? Magnífico, a Alemanha passou a
importar o carvão que os Estados Unidos deixaram de consumir devido à
nova produção de gás de xisto que os Ambientalistas, com os melhores
argumentos, com certeza, sempre contestaram e contestam, transformando
os mesmos sempre tão odiados Estados Unidos uma das nações mais
gaseificadas do mundo de hoje, se assim se pode dizer.
Tem perigos
a exploração petrolífera em mar aberto? Tem, com certeza, mas os riscos
estão cada vez mais mitigados. Mesmo na Noruega, uma das nações mais
avançadas em termos ambientais, mesmo na produção e uso de energias
alternativas, a exploração petrolífera não só não parou como a contínua
investigação e desenvolvimento de novas tecnologias de extracção já
permitem à Statoil, por exemplo, instalar plataformas de quase perfeita
economia circular, ou seja, plataformas onde não há praticamente
produção de resíduos, ou talvez melhor dizer, onde os resíduos
produzidos são virtualmente reutilizados e eliminados na sua quase
absoluta integralidade.
Por outro lado, para se contestar as
vantagens de tal possível exploração, afirma-se igualmente não ser pelo
facto de vir a verificar-se a mesma exploração que os preços dos
combustíveis irão diminuir em Portugal.
Argumento interessante. É
possível que assim aconteça, não sabemos, mas o que sabemos, com
certeza, é, por um lado, dever-se o actual preço dos combustíveis muito
mais ao valor dos impostos cobrados e nem tanto, eventualmente, ao
respectivo preço base, bem como, como outro, residir a importância da
exploração de petróleo ao largo de Aljezur em factores que vão muito
para além de uma mera questão de preço dos combustíveis, o que, não
deixando de ser igualmente importante, não é, de facto, no caso, o mais
decisivo.
E não, não é também por a questão da respectiva receita
financeira, muito criticada por muitos por se entender escassa, como se,
sendo os contractos eventualmente melhor negociados e se mais avultada
fosse, não ficando o principal do vil lucro para as empresas
investidoras, talvez, de acordo com o raciocínio e argumento defendido,
menos críticos muitos dos actuais ambientalistas críticos fossem, quanto
se entende como mais decisivo.
No aperto financeiro em que
vivemos, as potenciais receitas financeiras não serão, com certeza,
inteiramente de descurar mas, de facto, muito mais importante do que as
receitas financeiras, o que a possível futura exploração poderá
permitir, assim tenhamos inteligência, visão, estratégia e consequente
plano, é Portugal dar um decisivo salto para o início de uma nova era de
exploração do mar profundo, nas suas mais variadas dimensões,
compreendendo também como irá ser igualmente determinante no futuro para
qualquer nação, possuir ou não possuir tal capacidade. Isso sim, isso é
que é decisivo, o mais decisivo.
É terrível termos de escrever
isto, mas olhe-se, uma vez mais, para a Noruega e perceba-se, de uma vez
por todas, tudo quanto tem vindo a realizar em termos de investigação,
ciência e desenvolvimento tecnológico, nesse domínio.
Exploração do mar profundo irá significar investigação, muita
investigação, desenvolvimento científico, desenvolvimento tecnológico,
robótica, novos sistemas de informação, inteligência artificial,
metalomecânica, novas plataformas marinhas dos mais variados tipos, o
desenvolvimento dos mais variados tipos de veículos autónomos, aéreos,
de superfície, submarinos, ou simplesmente submersíveis, novos serviços
de consultoria, serviços financeiros, seguros até, assim como novos
serviços de manutenção, de vigilância e segurança, enfim, todo um novo
mundo que começa a surgir um pouco por todo o mundo e que nós,
distraídos e muito satisfeitos por estarmos a servir cafés a um número
crescente de turistas, ocupando assim também um mesmo crescente número
de muitos que a última crise conjugada com os desvarios de muitos dos
nossos sucessivos governos, parecemos dar pouco por isso.
Ainda há
um par e anos se falou na possibilidade de um investimento da Volstad
para a instalação em Sines de um centro de apoio para as plataformas offshore
no Atlântico. Um projecto que razões, umas mais obscuras do que outras,
veio a determinar que nunca se concretizasse, mas, independentemente da
situação específica, não seria, e é, exactamente esse mesmo tipo de
projectos que necessitamos e, tanto quanto possível, ainda mais
sofisticados e maior contributo da inteligência, imaginação e
criatividade nacional, melhor?
Afinal, que Nação Marítima é que
queremos realmente ser? Uma Nação Marítima que fica apenas a ver os
navios passar ou que avança decidida e determinadamente para a
exploração do mar do futur
Irá a eventual exploração de petróleo
ao largo de Aljezur pelo consórcio ENI/GALP resolver, por si só, todos
os nossos problemas? Não, não irá, evidentemente. Mas essa não é a
questão. A questão é saber se queremos continuar atavicamente presos às
mais retrógradas ideologias políticas travestidas de pseudo-nobre
preocupação ambientalista ou, pelo contrário, se mudamos de atitude e
compreendemos, de uma vez por todas, quais os verdadeiros desafios do
nosso tempo, planeando, agindo e investindo consequentemente, sabendo
ver no petróleo não apenas uma maldição mas também uma oportunidade para
irmos, eventualmente, mesmo mais além.Tão simples quanto isso, como simples e evidente onde nos conduzirá a correspondente decisão sobre o caminho a seguir.
IN "OBSERVADOR"
07/05/18
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