O cretinismo economicista
Vivemos
em Portugal uma nova e curiosa era de totalitarismo sucedendo às
anteriores. Desta vez é o totalitarismo dos economistas. Tudo sabem,
tudo comentam, e deles tudo se espera. Os economistas julgam-se os
depositários de um saber técnico que tudo explicaria; o passado, o
presente e o futuro. Nada está fora do alcance deles.
Ora, os economistas não percebem da realidade mais do que
um pequeno aspecto. O resto está completamente fora da visão deles, a
não ser que se trate de economistas cultos, coisa rara no nosso país e
quase ausente dos media. O que se vê são economistas fiéis a modelos
teóricos de compreensão das pequenas realidades que enxergam. E a
explicação é muito simples. A economia nasceu em plena modernidade
científica e logo se arvorou a explicação infalível das coisas. Já
Voltaire e Rousseau gozavam com as pretensões universalizantes dos
economistas. Na actual época do Estado intervencionista a economia
pretende mesmo ser uma ciência global. Mas não será por muito tempo. A
pós-modernidade há de chegar à economia e quando isso acontecer não
sendo obviamente posta de parte ficará reduzida às suas devidas
proporções.
Um exemplo das consequências nefastas da visão estritamente económica
das coisas é o daqueles que, de máquina de calcular na mão, garantem
que as medidas de brutal restrição orçamental em curso vão gerar num
futuro mais ou menos próximo seguros efeitos salvíficos na economia. É
que o modelo teórico que adoptaram permite fazer as previsões que eles
querem ouvir e, portanto, aí vão elas. Ignoram, os coitados, que a
aplicação de qualquer conhecimento técnico a destinatários como nós
todos logo lhe retira qualquer pretensa infalibilidade. O cretinismo
economicista paga-se caro sobretudo quando ignora que não está sozinho
no mundo e que as medidas adoptadas afectam gente de carne e osso que
luta diariamente pela subsistência e que se sente reduzida à escravidão
fiscal e à miséria quotidiana.
Como não existem estadistas à altura, do que precisamos nos media é
de sociólogos, de historiadores e de intelectuais «orgânicos» do público
médio (a maioria dos economistas não sabe o que isto significa) que
comuniquem através de uma linguagem comum e não de um palavreado
especializado pleno de business english indiferente ao público numa
palavra; de gente instruída e não de patuscos que esperam a salvação da
protecção às pequenas e médias empresas, do capital de risco, do
planeamento fiscal, do redimensionamento da propriedade agrícola, das
«valências» e das «competências» adquiridas através da educação dos
adultos claro que com apoio nas «novas tecnologias», etc... Gente que
saiba dizer ao país em desespero que a economia como qualquer outra
actividade humana depende da confiança e que esta é indesligável de uma
visão política e cultural global do futuro individual e colectivo para o
nosso país e que, consequentemente, o que o que é preciso é
credibilizar a governação, desmantelar o vastíssimo sector inútil do
Estado e levar na enxurrada as castas parasitárias que dele se alimentam
desde o tempo do Marquês de Pombal de modo a relançar a iniciativa
privada. Toda a gente percebe isto menos os economistas. O português só
medra com menos Estado como lhe acontece em toda a parte para onde
emigra. Só assim será mobilizada a energia dos nossos concidadãos para
sair da crise. Não são os economistas caseiros que podem responder a
este desafio na sua linguagem esdrúxula e totalmente separada da
realidade.
Enquanto esperarmos dos economistas aquilo que eles não nos podem
dar, presos como estão a uma concepção muito reduzida e linear das
coisas, não vamos a lado nenhum. No dia em que os media derem o devido
valor a quem devem dar e desvalorizarem a pretensa omnisciência dos
economistas é que poderemos acreditar que as coisas estão no bom
caminho.
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IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
24/08/16
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