Um novo faraó é uma maldição
Os faraós são
mais antigos do que as pirâmides, mas o seu tempo acabou há muito e
Mohamed Morsi devia ser o primeiro a saber. Até porque paira uma
maldição: Alexandre fez-se coroar pelos sacerdotes egípcios e acabou por
morrer aos 32 anos abandonado pelos soldados macedónios; Marco António
suicidou-se e os seus filhos com Cleópatra desfilaram em Roma como
troféus; o albanês Muhammad Ali fundou a dinastia que devolveu a
independência ao país, mas acabaria exilada.
Não se pense que o
atual Presidente está a salvo só porque estes desgraçados eram
estrangeiros. Também os modernos faraós, todos de sangue egípcio,
acabaram mal. Nasser continua um herói para as massas árabes, mas quando
morreu tinha visto o seu exército derrotado na Guerra dos Seis Dias.
Sadat negociou a paz com Israel e acabou assassinado. Mubarak,
todo-poderoso três décadas, acabou condenado a prisão perpétua.
Morsi,
um engenheiro de 60 anos, prometia ser diferente. Venceu as primeiras
presidenciais livres do Egito, forçou os generais a desistir da tutela
sobre o poder político, provou que o país continua influente ao promover
a trégua entre o Hamas e Israel. Sobretudo encarnava a conversão à
democracia por parte dos Irmãos Muçulmanos, cujo historial de combate à
ditadura e trabalho social merece respeito.
Mas ao declarar-se
acima da justiça e impondo uma Constituição que desagrada tanto aos
liberais e laicos como à minoria cristã (um décimo dos 82 milhões de
egípcios), Morsi revela estar a sofrer a tentação do faraó, a tal que
costuma acabar em maldição. Porque está provado que o Egito precisa de
tudo menos de um novo monarca absoluto, mesmo que disfarçado sob as
cores da república. E Morsi, que até se doutorou nos Estados Unidos,
podia imitar o Ocidente não só pelo espírito científico (que admira)
como pelos valores sociais e políticos (que critica).
Com um em
cada quatro árabes a ser egípcio, o Cairo é a sede óbvia da Liga Árabe. E
de nenhum país árabe saem tantos livros ou filmes como do Egito. Hoje
conhecida como palco de manifestações, a Praça Tahrir já foi sinónimo de
cafés onde a intelectualidade se reunia.
Mas de nada tem servido
ao Egito ser um colosso cultural. Mesmo o estatuto de potência militar
pouco mais alimenta do que o orgulho de uma civilização com cinco mil
anos. É que a economia revela-se minúscula, e se o Nilo continua uma
bênção, as areias egípcias não foram bafejadas com petróleo, pelo que há
muito a fazer para se obter riqueza.
O desafio do governante,
chame-se Morsi ou não, tem de ser construir uma nação próspera, capaz de
tirar o melhor do génio egípcio. Isso exige a sociedade plural que
reclamavam em fevereiro de 2011 os manifestantes que na Praça Tahrir
pediam a queda de Mubarak. Porque se há uma maldição sobre quem se
comporta como faraó, um novo faraó promete ser uma maldição para os
egípcios.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
03/12/12
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