E ao menos demitir-se, não?
O embaraço não é de Maria Luís
Albuquerque. Deputada, ex--ministra das Finanças, ex-responsável por
assinar por baixo a utilização de instrumentos de gestão de risco
financeiro (os chamados swap) para empresas públicas, futura ex--estrela
em ascensão no PSD. Ela seguirá a vida, e sem pudor, parece,
manter-se-á como deputada da nação.
O embaraço só pode ser de
Pedro Passos Coelho, ex-primeiro--ministro do Governo da ex-ministra,
deputado da nação, líder do PSD, candidato a ser novamente
primeiro-ministro. Ele, sim, tem razões para estar embaraçado. Às vezes
não sabemos quem acolhemos dentro de casa, mas a responsabilidade é
sempre nossa por não sabermos. E é nossa se os mantivermos.
Já
para não falar do líder da bancada parlamentar do PSD, Luís Montenegro
(é preciso pôr os nomes todos hoje), bem como dos outros 102 deputados
que todos os dias se sentam juntos no Parlamento. Estes não cabem cá
todos. Mas cabe José Matos Correia, "vice" de Pedro Passos Coelho, que
se refugia na legalidade e para quem "não há nenhuma incompatibilidade
que pudesse obstar à aceitação do convite". Estamos conversados.
O
embaraço também não está na legalidade ou ilegalidade da contratação de
Maria Luís Albuquerque por uma empresa anglo--saxónica cuja missão
principal é analisar o risco, angariar e recuperar dívida pública e
privada. O que fez, direta ou indiretamente, com o Banif quando o Estado
era detentor de 60% do banco e a ministra das Finanças era a agora
deputada.
A vergonha mesmo é sabermos que é assim. Que os cargos
da política parecem ser ocupados por gente que não serve o público mas
se serve do público. E que a promiscuidade (assim de memória seria capaz
de citar uma dezena de casos), transversal aos três partidos de poder e
sem imunidades governativas, já se entranhou nos corredores da
Assembleia e dos ministérios.
Ao menos podiam disfarçar. Só para nós também fazermos de conta que os respeitamos.
P.S.:
O Banco Santander Totta ganhou o braço de ferro com o Estado português
sobre a validade dos contratos swap assinados pelas empresas públicas
Metropolitano de Lisboa, Carris, Metro do Porto e STCP. A decisão de
romper com os contratos, suspendendo os pagamentos devidos, foi da
ex-ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque. A dos parágrafos
anteriores. E então foi aplaudida. A questão aqui não é essa. É de
presente e de futuro. O ministro Mário Centeno já veio dizer que os 1,8
mil milhões de dívida vão ter impacto nas contas públicas. Que é como
quem diz, lá vem mais um retificativo e um aumento de impostos.
Preparem-se.
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
05/03/16
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