Falência adiada
O discurso da necessidade de nos sacrificarmos quase todos para pagar o
buraco gigante de dívidas contraídas pelos responsáveis políticos ao
longo de décadas ultrapassou os limites do suportável, com as medidas
anunciadas de alegado combate ao desemprego.
As novas medidas estão
baseadas numa expectativa fantasiosa de que as empresas vão contratar
pessoas porque ‘poupam’ com os cortes de salários e agora na redução da
contribuição social. Perante as dificuldades das empresas, tanto
públicas como privadas, a ‘poupança’ servirá, nas mais sérias, para
preservar os poucos postos de trabalho. Noutros casos, a saudável
falência por causa de erros de gestão será adiada à custa dos
trabalhadores, chamados a contribuir para a manutenção frágil do seu
emprego. Houve um dia em que ‘trabalhar de graça’ era uma piada. Agora
‘pagar para trabalhar’ deixou de ser uma expressão para se tornar uma
realidade. E o pior é não resolver nada.
Elefantes
O
anúncio mais divertido da televisão portuguesa é a um produto
solenemente chamado Memofante, que ajuda a manter a memória fresquinha. O
nome do produto apela à célebre memória de elefante, que os estudos
indicam estar presentes nas fêmeas, capazes de reconhecer simpatia, ou
nem por isso, em elefantes que não pertencem à sua família. Voltando ao
anúncio, nele podemos ver a intervenção benéfica de um elefante em
situações do quotidiano em que tipicamente nos esquecemos de códigos,
óculos, nomes de pessoas. É especialmente divertida esta parte em que um
homem cumprimenta com entusiasmo outro que não faz ideia do seu nome.
Lá atrás vemos o elefante com uma tabuleta a dizer ‘Ribeiro’, salvando o
cumprimentado de uma situação embaraçosa. Havia escravos na Roma Antiga
que tinham a função de lembrar os nomes de outros a políticos. Eram os
nomenclatores. Ou os memofantes da época.
Quis saber quem é
Depois
de anunciar medidas que já nada têm de austeridade, Pedro Passos Coelho
foi assistir a um espectáculo de Paulo de Carvalho. Decidiu assim não
mudar um milímetro a sua agenda. Possivelmente assistiu ao espectáculo
‘como cidadão e pai’. O problema é que ‘primeiro-ministro’ não é um fato
que se veste e despe consoante se quer. A sua decisão é, por isso,
misteriosa. Tentemos perceber. Pode ser um problema de falta de
assessoria. Mas entre as várias dezenas de assessores do
primeiro-ministro, não haverá ninguém com o mínimo de bom senso? Pode
ser um problema de falta de noção do próprio Passos Coelho sobre as
consequências dos seus anúncios ao país. É de certeza um problema de
falta de habilidade política e capacidade de autopreservação. Passos crê
que o país está tão anestesiado e amedrontado que nem presta atenção ao
que alguém se encarregará de referir como ‘pormenores’. Lembro que é aí
que está o diabo.
Falta de ar
Muitos
portugueses têm seguido o conselho dos actuais governantes e têm
abandonado o país à procura de uma vida decente. Ao contrário do que
aconteceu em gerações anteriores, os novos emigrantes não tencionam
voltar a Portugal. Pode ser uma intenção passageira, mas neste momento
não vêem nenhuma razão para regressar a um país que simplesmente os
enganou e acabou por os mandar embora com todas as letras. Os enganos do
crédito fácil, dos 150 mil empregos, da falta de exigência no ensino
superior tiveram as consequências a que assistimos: dívidas, desemprego e
desespero. Ainda é cedo para sabermos que consequências trará esta vaga
de emigrantes qualificados, mas há o risco de os laços de confiança com
a pátria se terem quebrado. E sem confiança não há remessas. As pessoas
que partem nas actuais circunstâncias não se sentem em dívida para com o
país. Vão ter de fazer um esforço para não se deixarem levar pela
desilusão.
Luz ao fundo do túnel
No meio
deste ambiente soturno em que vivemos, descobri uma cerveja portuguesa
artesanal deliciosa e um pouco cara, chamada Sovina. Não sei quem são os
produtores, mas pelo nome, Os Três Cervejeiros, imagino que tenham sido
três pessoas a tomar a iniciativa. Provei a Helles, de que gostei
imenso. É tão sofisticada que podia ser belga. Ficam a faltar a Amber, a
Ipa e a Stout, que prometem ser tão boas como a que experimentei.
Infelizmente, ainda há pouca informação no site: www.3cervejeiros.pt. Só
sei que são do Porto, que também ensinam a fazer cerveja caseira, têm
um link que dá para uma página com uma série de produtos imprescindíveis
para fazer a bebida. O texto de introdução para principiantes acaba com
a frase convincente: «Se os egípcios, há mais de 4.000 anos, a
fabricavam, você também consegue! Experimente!». Os três cervejeiros
fizeram um produto com muita qualidade e ainda por cima têm graça.
IN "SOL"
18/09/12
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