As lições
esquecidas da crise
A crise financeira internacional levou à publicação de inúmeros livros,
artigos, estudos, analisando as causas da crise e as medidas para evitar
que se repita (atenção: as crises da dívida portuguesa, assim como a
grega, a espanhola, a italiana ou mesmo a irlandesa, têm causas
sobretudo nacionais).
Um texto curioso foi publicado no Financial
Times de 15 de Novembro, com o título ‘Marx teria orgulho nos
banqueiros’. O autor (que desconheço) é Karl Sternberg, fundador do
Oxford Investment Partners. Ou seja, alguém que conhece o sector
financeiro por dentro.
‘Banqueiros’ designa aqui os gestores
bancários, a vários níveis, sendo empregados que ganham muito. A tese de
Sternberg é que os trabalhadores (os banqueiros...) levaram para casa
todo o dinheiro dos bancos através de salários, prémios, ‘bónus’ e
outras extravagâncias, à custa dos capitalistas (os accionistas).
Com
a ajuda dos contabilistas, diz ele, o staff das instituições
financeiras convenceu os accionistas de que, para terem pessoal
competente, lhe teria de pagar fortunas. Assim, ‘o trabalho descobriu um
instrumento para destruir os capitalistas muito mais eficaz do que os
sindicatos’. Marx estaria agora a rir.
Daí, escreve Sternberg,
não serem de estranhar os actuais ‘cantos de sereia’ dos banqueiros,
alertando para as consequências – nefastas, na perspectiva deles – de
mais regulação para o sector. Ora, para Sternberg «é a regulação que
pode reconduzir a banca ao sistema capitalista».
Nos Estados
Unidos da América (EUA), por exemplo, a lei de regulação financeira
(Dodd-Frank Act) é considerada, nos meios bancários, excessivamente
complexa. E nos EUA ouvem-se vozes dizendo que não aplicarão as
‘demasiado complicadas’ regras de Basileia III (obrigando, nomeadamente,
os bancos a rácios de reservas de capital mais exigentes, para se
protegerem das crises). Repare-se que o Dodd-Frank não reintroduziu a
separação entre bancos comerciais e bancos de investimento, imposta em
1933 e anulada em 1999, quando Clinton era presidente dos EUA. Na
Europa, os bancos pedem mais tempo para aplicarem as regras de Basileia
III.
Num recente colóquio promovido pela Comissão Europeia e pelo
Banco de Portugal (BdP), o presidente da Comissão do Mercado de Valores
Mobiliários (CMVM), Carlos Tavares, fez uma análise pessimista sobre o
pouco que se avançou, sobretudo na Europa, na reforma da regulação
bancária – apesar de há cinco anos ser consensual que o défice de
regulação era uma das principais causas da crise...
Carlos
Tavares apontou factos. Por exemplo: a transparência dos mercados tem
diminuído; os reguladores continuam sem informação sobre os mercados não
regulados e têm menos informação sobre os regulados; é hoje maior a
dimensão do chamado shadow banking (área que escapa à regulação);
aumentaram os produtos financeiros complexos; ainda não foi tratado o
conflito de interesses de agências que, simultaneamente, fazem rating e
consultoria à mesma empresa; não diminuiu a desalavancagem (redução do
endividamento, sobretudo), medida pelo rácio activos financeiros/Produto
Interno Bruto (PIB), sendo historicamente altos os níveis de dívida
privada.
Ou seja, não foram tiradas as lições do que se passou
desde há cinco anos. Nem se regressou aos valores tradicionais da banca.
Um alerta do Presidente da CMVM que merece atenção.
IN "SOL"
04/12/12
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